quarta-feira, fevereiro 01, 2006

VALQUÍRIIA E O MENINO


Foi assim de uma hora para outra. Quando a via, olhava para ela de um modo diferente, e sentindo despertar-lhe uma coisa nova que a sua pouca idade não poderia discernir. Às vezes ficava sem vontade de brincar com os amigos na pracinha, só querendo olhar para a moça que se sobressaía diante das amigas pelo jeito festivo, o timbre da voz, a conversa incessante. Aquela moça branca, branca como... Como o quê? Não sabia como comparar a cor da sua pele. Curioso: se não estava perto de Valquíria, não pensava nela. Era quando a encontrava (às vezes durante o dia), que aquilo lhe ocorria. E se punha determinado a não perdê-la de vista quando ela volteava pela pracinha com as amigas.
Uma noite Valquíria não estava acompanhada das amigas. Ficou com uma sensação de perda, como se um amigo lhe tivesse levado o gibi que amava, a bola que o pai lhe presenteara no último aniversário, com a qual dormia abraçado. Qualquer coisa assim. Mas não arredou pé da pracinha. Foi apostar corrida com os amigos. Num dado momento descobriu-a num banco com um rapaz. Parou de correr, num instante. Os amigos o chamavam, o xingavam, e ele ali estático, como se alguém muito forte o prendesse pelos braços. Estava a uma pequena distância de Valquíria e pôde observar que as alvas mãos dela estavam entrelaçadas com as do namorado. Não sabe o que lhe deu, para, de repente, sair da posição estática e se dirigir para o banco. Foi numa reta em direção aos dois. Para que, meu Deus? Ele próprio não saberia explicar o ato impulsivo. Ao chegar bem próximo do casal, olhou para Valquíria, ela olhou para ele e (jamais poderia imaginar a reação dela) lhe sorriu. Os dentes imaculadamente brancos, tal como a pele. Ele se voltou e saiu em disparada.
Deixou de frequentar a pracinha. Os amigos não atinavam com a causa da recusa e ele inventava desculpas que não os convenciam. Mas manteve a decisão. Chegou a ver Valquíria uma ou outra vez na rua (numa delas estava com o namorado, ele com a mão sobre o ombro dela), mas não quis olhar para o seu rosto. Ainda que fosse para receber um sorriso.
E não muito tempo depois, Valquíria foi embora, para nunca mais voltar. Um dia, à hora do almoço, o menino ouviu o pai dizer que o pai de Valquíria ia se transferir para outra cidade. Foi feito um soco na cara do menino. Terminou, às pressas, de comer, foi para o seu quarto, deitou-se na rede. E pensando em Valquíria, cantou, baixinho, uma música que tocava quase todas as noites na amplificadora, em cujos versos um homem revelava o seu amor por uma outra Valquíria.

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