sábado, fevereiro 11, 2006

O Segredo de Brobeback Mountain (Brobeback Mountain/2005


Poucas vezes vi o cinema mostrar um amor tão intenso, que só a morte pode destruir, como o que é mostrado nesse filme de Ang Lee. Um amor nascido quando os dois, sozinhos, trabalhavam para um criador de ovelhas. E que se conserva, mesmo quando são despedidose vão tomar rumos diferentes em suas vidas, inclusive conhecendo as mulheres com as quais se casam. É tão forte o sentimento, reforçado pela atração carnal, que os une, que tanto Ennis Del Mar (Hethg Ledger) quanto Jack Twist (Jake Gyllenhaal) não conseguem amar suas respectivas esposas, mas sequer ter com elas um relacionamento amigável. E se Jack ainda consegue manter o casamento, pelo menos até a sua morte num acidente, Ennis não demora a se divorciar da esposa Alma (Michelle Williams). A incapacidade de os dois homens levarem uma vida mais ou menos feliz, condena-os à solidão, que só pode ser atenuada quando estão juntos em Brokeback Mountain, uma espécie de Pasárgada para ambos. E acho que aí está o dedo do co-roteirista Larry Mc Murtry, o mesmo de A Última Sessão de Cinema, de Peter Bogdanovich, autor também do romance em que aquele filme foi baseado. Para quem não se lembra, um dos temas tratados no filme de Bogdanovich é o da solidão.
E falando de roteiro, é preciso ressaltar a perfeita sintonia existente entre este (que tem a participação de Diane Ossana) e direção em O Segredo de Brobeback Mountain. Uma sintonia que se afirma até no que, talvez, seja o único escorregão do filme, ou seja a dispensável cena (que dá a impressão de ser uma concessão ao grande público) em que Alma surpreende o marido entre beijos e abraços com o amigo, num reencontro depois de quatro anos sem se verem. Ideal seria que Alma fosse assaltada pela suspeita de que as constantes e demoradas reuniões do marido e do amigo ultrapassem os limites de uma simples e pura amizade. Por outro lado, o sofrimento da esposa, que aparece mais de uma vez chorando, é reservado, é guardado só para si mesma. Só uma única vez ela faz um desabafo para Ennis, quando os dois já estão separados e ela está vivendo com outro. E ainda assim, é de passagem que ela toca no relacionamento do ex-marido com Jack, a quem chama de pervertido.
Essa sintinia entre roteiro e direção não significa, no entanto, que o diretor Ang Lee seja um mero administrador do roteiro. De jeito nenhum. Não me lembro de ter visto outro filme desse cineasta nascido em Taiwan e radicado nos Estados Unidos e ele me causou uma boa impressão nesse filme. Sua direção é vigorosa, quando necessário (destaque-se a cena em que Jack impõe a sua autoridade diante do sogro, que procura manobrá-lo como um títere), delicada e sensível quando é preciso. E ele sabe valorizar o silêncio em alguns momentos. Uma qualidade que ele tem, pelo menos em O Segredo de Brobeback Mountain, é a forma de dirigir os atores, extraindo deles uma forte expressividade em seus rostos. Há um momento exemplar disso, já perto do final, quando Ennis telefona à viúva de Jack, depois de saber da morte deste. Há um instante em que Ennis, comovido, fica silencioso, ela pergunta se ele ainda está ao telefone, ele, afinal, responde e se despede. A câmera pega o rosto de Lureen (Anne Hathaway) e a expressão que ela transmite nos dá a sensação de que, pela primeira vez, suspeita do que moveu o relacionamento entre aqueles dois homens.
O Segredo de Brobeback Mountain é um filme muito bom, que, inclusive, serve como um alento para o combalido cinema americano. E quem sabe se mais filmes como esse (não, claro, abordando o mesmo tema) não tirem aquele cinema do atoleiro da pobreza criativa num futuro não muito distante, atoleiro no qual se meteram até cineastas de um passado digno, honroso? Quem sabe?

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