quarta-feira, outubro 05, 2005

AS MANGAS



Este pequeno ccnto foi publicado num jornal de um amigo aqui de Natal, há cerca de 15 anos. Depois resolvi inseri-lo num conto longo que fez parte do meu livro Grandes Amizades, de 1995. Sai aqui com mínimas alterações na linguagem.
Sábado, fim de tarde, ele bebia em um bar que descobrira da primeira vez que estivera naquela cidade. Encantara-se com o ambiente , ao ar livre, duas frondosas mangueiras na entrada, a área suficientemente espaçosa para quem (era o seu caso) desejasse isolar-se dos outros clientes. Não frequentara outro bar, durante a sua permanência na cidade, e, ao voltar, após muito tempo, procurou-o e ficou feliz por vê-lo ainda funcionando.
O ambiente (mas sobretudo a hora, quando diminuía bastante o número de frequentadores) estimulava nos solitários a meditação. e ele estava absorvido por pensamentos que se sucediam em uma grande celeridade, como se o próprio cérebro se recusasse a reter cada um deles por mais de uns dois minutos. De repente, foi arrancado de seus pensamentos por um barulho de vozes. E o que lhe despertou a atenção é que o barulho não era igual ao de pessoas envolvidas em uma altercação, tão comum em mesa de bar. O tom das vozes era alegre, de animação, mais identificado com a bulha de crianças quando estão brincando. Percebeu que as vozes procediam do lugar onde se erguiam as mangueiras, e, impressionado, deixou a mesa e caminhou para lá. Ao se aproximar, teve uma enorme surpresa: três marmanjos atiravam pedras nos frutos pendentes de uma das mangueiras, tentando derrubá-los. Três homens de meia-idade brincando feito crianças em um lugar para adultos. Imaginou que eles, talvez, ainda há pouco estivessem a ponto de se digladiar em uma estéril e desgastante discussão sobre os políticos e, de repente, tinham-na abandonado, ao descobrirem aquelas mangas maduras oferecendo-se para serem colhidas.
A cena, insólita, era capaz de atiçar a zombaria, mas, ao mesmo tempo, havia nela um componente de nostalgia da infância que lhe calou fundo. Observando aqueles homens de idades batendo mais ou menos com a sua, que tentavam, talvez inconscientemente, recuperar uma pequena parte do tempo de meninos, ele se viu também menino, galgando muros proibidos para roubar mangas, subindo em árvores, atirando pedras nos frutos. E, então, veio-lhe intensa a vontade de reunir-se aos coroas, pegar uma pedra para acertar as mangas. Depois de derrubá-las, as juntaria em um saco plástico e as levaria para o quarto do hotel. Mas o receio de uma aproximação com os estranhos prevaleceu sobre a vontade e ele, resignado, voltou para a mesa e os pensamentos.

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