Sonhos... Haverá no mundo, além deles, alguma coisa mais envolvida em mistério, impermeável a significados que desafiam a nossa compreensão.? Não creio. Ontem sonhei com Marlon Brando. É mais um sonho a me deixar perplexo, sem sequer me dar ao trabalho de tentar uma explicação para o fato. De manhã, ao café, comentei-o rapidamente com minha mulher, que, ao rir dele, teve, talvez, a mais apropriada reação à maioria dos sonhos. "A gente sonha cada besteira", disse ela, com um restinho de riso, e aproveitou para mencionar, de passagem, o sonho que tivera na noite anterior. É mesmo, concordei, e pulamos para outro assunto.
Mas o dia inteiro o sonho não largou do meu pé, embora, como já disse, não me dei ao trabalho de procurar-lhe um significado. Mesmo porque não havia um significado. Se tivesse ocorrido imediatamente depois do falecimento do ator, eu poderia relacioná-lo ao impacto da notícia divulgada fartamente pela Internet e os noticiários da televisão, deixando consternados os espectadores da minha geração, que viram Brando dando os seus primeiros passos no cinema e acompanharam a sua carreira por algumas décadas. Mas não. O sonho ocorria mais de dois meses após o seu óbito. Além disso, ele não foi um dos meus atores preferidos, embora admirasse o seu imenso talento.
Todo o sonho ocorre numa mesa de bar, em mais de um bar. É um dado curioso, pois, pelo que sabemos da vida de Brando, ele não foi um grande apreciador de bebidas, diferentemente do que foi em relação a comidas. Um bebedor moderado, no máximo. Ele está comigo e amigos meus, dos quais só consigo identificar um deles: o jornalista e escritor Orlando Brasil. É um Brando jovem, dos seus primeiros filmes. Bonito, forte, bem distante do homem obeso (apesar de conservar, no rosto, traços da antiga beleza), em que se converteu. Outro aspecto curioso no sonho é o fato de ele estar vivendo em nossa cidade.
Outra coisa. A imagem que Brando passa nessa noitada é a de um homem simples, alegre, engraçado, conversador e atencioso com os que estão em sua companhia. Nada parecido, portanto, com a imagem do astro do astro de cinema que ele desenvolveu ao longo de sua carreira, principalmente nos primeiros anos. Só numa única vez, naquela longa noite de perambulação pelos bares, foi um pouco ríspido comigo, mas acho que com razão. Num dado momento, eu, ao lado de Brando, comecei a lhe fazer perguntas sobre a sua carreira (mas não me perguntem quais foram, porque não me lembro). Ele respondeu umas três ou quatro perguntas, de modo sucinto, mas na próxima me encarou carrancudo e disse mais ou menos assim: "puxa, cara, você é bem curioso"! E aí não lhe perguntei mais nada. Bem-feito pra mim.
De repente aparece Isaías, com a sua estatura de pigmeu e a fala arrastada, cheia de assovios. Foi num momento em que estava de pé, afastado da mesa, não me lembro por quê. Como se estivesse assistindo a um filme, de que eu mesmo participasse: numa hora estava na mesa com Brando e uns amigos, e, num instante, havia um corte e lá estava eu noutra parte do bar. Fiquei afastado dele, mas não o suficiente para deixar de ouvi-lo perguntar a alguém se era Marlon Brando que estava naquela mesa. Daqui a pouco ele vai até lá pra foder a paciência de Brando, disse pra mim mesmo. Ô mala. Sem alça e sem rodinhas. Nesse exato momento acordei. Sonhos...
Este texto, já publicado no Balaio Vermelho, de Moacy Cirne, em outubro/2004, é resultado de um sonho. É narrado da forma que aconteceu. Apenas modifiquei o nome das duas pessoas que consegui identificar no sonho.
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