quarta-feira, maio 18, 2005

A IDADE DO OURO




Segundo filme de Luis Buñuel, A Idade do Ouro (L' Age d' Or, 1930) é o seu primeiro filme sonoro. Dois anos antes, com Um Cão Andaluz, Buñuel fizera um curta experimental, segundo ele produto de dois sonhos que ele e Salvador Dali tiveram, e do qual talvez se pudesse dizer que era um filme-manifesto do Surrealismo, tendo em vista que, antes dos créditos, era divulgado um trecho do manifesto do Movimento. Não que A Idade do Ouro não levasse em consideração o destaque dos princípios básicos do Surrealismo; pelo contrário, eles estão lá tão ou mais radicalizados quanto em Um Cão Andaluz. Situações sem um mínimo de explicação racional se sucedem, tais como: um homem a chutar um violino pela calcaçada, uma vaca deitada numa cama, que dali se retira ordenada por um gesto de expressão no rosto de uma mulher, uma carroça conduzida por dois homens do povo que atravessa o salão onde está se realizando uma festa burguesa, um homem caminhando com uma pedra na cabeça, como se imitasse a estátua pela qual ele passa. (Essa última cena é a única contribuição de Dali no roteiro, conforme informou o próprio diretor.)
Portanto, há em A Idade do Ouro essa obediência (ou, mais do que obediência, uma integração, um parti-pris ) àquele Movimento, ao qual, é preciso dizer, Buñuel sempre se manteve fiel. Claro que, ao longo da sua carreira, o Surrealismo aparecia mais diluído, de forma bem mais atenuada do que nos seus dois primeiros filmes. No entanto, caminhando paralelamente ao elemento surrealista (ou dele se servindo para acentuar a investida crítica) existe o ataque à burguesia e à religião. E se o filme trata ainda do caso de um amor louco, que jamais poderá dar certo, e ao qual Buñuel dá grande importânca (segundo suas próprias palavras), é a investida àquelas duas instituições que dá o tom de A Idade do Ouro, até porque os dois amantes pertencem ao mundo burguês. Às vezes, numa mesma cena o propósito é duplo. Dois exemplos: quando um carro estaciona à frente da casa, onde será realizada a festa, antes de sair um conviva, um objeto sagrado é retirado do carro e posto no chão; e na imagem final, sobre uma cruz se entrançam plumas usadas no vestuário feminino. E aí Buñuel já se mostra o iconoclasta, o cruel, o irrevente que se manteve até o final da carreira. E a sua irreverência, que muitos podem considerar sacrílega, contra a religião chega ao ponto de mostrar o Duque de Blangis, organizador de uma série de orgias que duram 120 dias, tendo por local o castelo de Sellinay (numa referência ao Marquês de Sade) , como um sósia perfeito de Jesus.
Tudo isso custou muito caro a Buñuel e ao filme. Os fundamentalistas católicos e burgueses da época invadiram o cinema, destruíram quadros de uma exposição sobre o Surrealismo, rasgaram poltronas e atiraram bombas sobre a tela. Desse ato de barbárie e vandalismo resultou a proibição da A Idade do Ouro por longuíssimos cinquenta anos. E isso num país como a França. É, seguramente, o maior caso de interdição de um filme em toda a história do cinema.

Um comentário:

Anônimo disse...

Artigo muito interessante sobre o filme. Um exemplo da genialidade do diretor que ousou criticar as instituições da sua época. Infezlimente não existem mais outros cineastas como ele.