terça-feira, maio 24, 2005

HERBENE




"Gostei de ter ficado com você e queria que a gente se encontrasse uma vez por semana. Pode ser"? "Perfeitamente. Só que você tem de me ligar com antecedência para marcar o dia". "Tudo bem. Agora tem uns detalhes que preciso desde já acertar com você. Na verdade, são duas coisinhas apenas. Acredito que pra você não será um grande sacrifício atender os meus dois pedidos, que representam muito pra mim. E ademais eu saberei lhe recompensar bem".
Armando parou de repente ao ver Sílvia arregalar os olhos, então sorriu e disse: "Não vai lhe tirar nenhum pedaço, menina. Você vai ver". "Diga então o que é". "Bom, é o seguinte. Você vai mudar de nome quando estiver comigo. Esqueça que é Sílvia. (E, no fundo de si mesmo, duvidou de que aquele fosse o verdadeiro nome dela.) Você vai ser Herbene. Herbene, viu? Tudo bem"? "Tudo bem". "Beleza. Agora a outra mudança vai ser no cabelo. Eu vou querer que você faça aquele penteado chamado pastinha. Tá bem"? Dessa vez, Armando não foi obrigado a repetir a pergunta.
"Como você vê, não é nenhum bicho de sete cabeças o que estou lhe pedindo. E vou repetir, você será bem recompensada".
Passaram a se encontrar uma vez por semana. O dia é que nunca era o mesmo, nem ocorria entre sexta e domingo. Sílvia, logo nas primeiras vezes, percebeu um detalhe no nome que Armando adotara para ela: não a chamava de Herbene enquanto não iam deitar-se (tampouco a tratava pelo suposto nome) . Percebeu também a preferência dele pelo sexo anal.
Quando a penetrava, ele não se continha em insultá-la com as palavras mais chulas. Reprovava-a por ter resisitido tanto a praticar aquela forma de coito e a obrigava a reconhecer quanto tempo desperdiçara por causa da sua tola recusa. Mas, às vezes. Armando entremeava os insultos e as agressões com ardorosos louvores à bunda de Herbene, e daí era um passo apenas até à ternura, mostrando-se grato a Herbene por ter, afinal, cedido aos seus apelos.
Era assim também o comportamento de Armando quando ela lhe chuchava o sexo. Os mesmos termos chulos, os mesmos insultos, a mesma reprovação pela resistência de Herbene; e, às vezes, o elogio, você assim me deixa doidão, Herbene.
Um dia, já com uns três meses que se encontravam, Sílvia foi com uma amiga ver um filme num shopping. Depois do cinema foram para a praça da alimentação. Ao chegarem à mesa, Sílvia avistou uma mulher acompanhada de um filho pequeno, sentada próximo a elas, que não lhe chamou a mínima atenção.
As duas começaram a comentar o filme, depois passaram para outros assuntos. Uns trinta minutos mais tarde, em seguida a uma pausa na conversa, Sílvia, que ficara um pouco de costas para a estranha, desviou casualmente a vista em direção a ela, e o que viu causou-lhe o impacto de um soco inesperado no rosto. A reação seguinte foi arregalar os olhos para se convencer de que era real a cena que acabara de ver. Logo depois virou-se para a amiga: "Mulher, tu não faz idéia de quem é que está ali naquela mesa". A amiga apurou a vista na direção da mesa: "Que gato! Quem é"? "É o cara que te falei". "Não diga". "Pois é o tal. Não fica olhando muito pra lá pra não dar na vista. Pois é ele, mulher".
E Sílvia, de repente, viu-se muito interessada na desconhecida. Com cautela, relanceava o olhar para ela e ia-lhe descobrindo traços de beleza de que não se dera conta quando a vira ao chegar ali. Uma beleza, Sílvia admitiu, que não era daquele tipo que despertava desejos nos homens, impondo-se pelo que tinha de ostentatório, de agressivo até. Nada a ver. Era uma beleza que parecia não se querer notar, distinguida pela suavidade dos traços, a delicadeza dos gestos, a fragilidade do corpo. No seu modo simplório de ver as coisas, Sílvia a comparou a um bibelô, no que esse objeto tem de frágil, de quebradiço.
"Eu fico imaginando por que um homem que tem em casa uma coisinha daquela ainda vai atrás de outra mulher". "É ver uma mocinha. Sozinha ninguém diz que é casada". "É verdade. Ainda mais usando aquela pastinha".
Sílvia já deixara de olhar para a mulher. Mas a amiga concentrara toda a atenção naquela mesa. Por uns três minutos, os olhos, como hipnotizados, não se afastavam dali. E mais tempo talvez os demorasse, se Sílvia não voltasse a advertir a amiga.
"Mulher, larga de olhar pra lá. Daqui a pouco a mulher vai pensar que tu tá querendo comer o homem dela". "Sabe, Sílvia, que eu tive agora mesmo um palpite. É que o nome daquela mulher é o mesmo que ele deu pra você. Como é que ele te chama"? "Herbene". "Herbene. Sou capaz de apostar que é o nome dela". "Tu acha mesmo"? "Não acho não, tenho certeza. Veja bem. Ele manda tu usar pastinha, do jeito que a mulher usa. Depois te chama de Herbene. Só pode ser o nome dela. Não tou certa"? "Sei lá". "Puxa, mulher, como tu é burra". "Pois você que é tão sabida, me diga então qual e a dele". "Isso eu não sei. Por que tu não pergunta pra ele"? "Eu não". "Pois se fosse comigo, eu já tinha perguntado". "Eu lá me interesso em saber por que os homens exigem certas coisas. Eles pagando, tudo bem. A única coisa que não deixo é eles cagarem em cima de mim".
A amiga riu com espalhafato. Em seguida, voltou a olhar para a mesa. "Olha, eles tão saindo. O safado demorou pouco".
Sílvia voltou-se. Eles iam deixando a praça da alimentação, de costas para ela. Armando com a mão no ombro da mulher, que segurava a mão do filho. Ela era pequena, mal chegando ao ombro do marido, apesar do salto alto. Ouviu a amiga dizer: "Esses homens"...

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