Esse filme de Robert Wise (A Noviça Rebelde) pode ser analisado sob três premissas. A primeira se centraliza no casal formado pelo veterano boxeador Stoker (Robert Ryan) e Julie (Audrey Totter) . Há uma tensão no seu relacionamento, provocada pela recusa de Julie em aceitar que o marido continui na profissão, servindo de saco de pancada para os adversários. "Na última luta você demorou a me reconhecer", ela diz a certa altura de um princípio de discussão que se estabelece no quarto de um hotel, onde Stoker aguarda o momento de ir para o estádio. Ele promete que aquela será a sua última luta, mas ela sabe que será mais uma promessa vã. Magoada, rejeita o ingresso, que ele deixa sobre uma mesa antes de sair. Julie, enfim, decide ir ao estádio, e isso faz Stoker sorrir, quando olha pela terceira vez para o quarto do hotel, através da janela do vestiário, e vê a luz apagada. É, talvez, o mais belo plano do filme, no qual o rosto do boxeador aparece quase imprensado na janela entreaberta. Quando, no entanto, ele sobe ao ringue e percebe vazia a cadeira reservada para a esposa, a decepção e a raiva que sente são canalizadas para o jovem adversário, que, num certo momento, revela estranheza pela disposição de Stoker em derrotá-lo. E ao ser informado pelo treinador de que precisa perder, pois a luta foi "comprada" por Little Boy (Alan Baxter), a revolta o estimula ainda mais a derrubar o seu contendor, afrontando todos aqueles que o colocaram naquela situação. Ele se conscientiza de que a sua honra e a sua dignidade não podem baixar à lona.
A segunda premissa diz respeito ao comportamento dos espectadores, que chega a atingir o sadismo. Todos estão ali para se satisfazer com a sorte dos boxeadores. Querem ver sangue, e quanto mais abundante, melhor. Essa atitude está emblematizada na figura do cego, que acompanha a luta pela narração do guia. Ao ouvir deste que Stoker está com um olho machucado, o cego lhe diz que o adversário deve concentrar o ataque sobre aquele olho. E o fato de serem mostrados alguns espectadores em situações risíveis, não diminui, ao contrário, acentua, o impacto da crítica a todos ali presentes.
A terceira premissa conduz à denúncia da corrupção no boxe. Não tenho certeza, mas me parece que Punhos de Campeão é pioneiro em expor a invasão do gangsterismo no boxe. E o faz com muita veemência, inclusive por mostrar a vingança de Little Boy, ao se ver lesado por Stoker: ele manda os capangas darem uma surra violenta em Stoker, da qual participa como testemunha e também como agressor, ao proceder à mutilação das mãos do boxeador. (E assim, pela ação dos gangsters, é realizado o desejo de Julie de ver o marido abandonar o ringue. Ela também se torna vencedora.)
Sob esse último aspecto, aliás, o filme integra uma categoria que norteou uma boa parte da produção hollywoodiana do pós-guerra, ou seja, a de obras empenhadas na denúncia dos males da sociedade americana. O mesmo Wise trilharia outras vezes esse caminho, como, por exemplo, em Quero Viver. Punhos de Campeão quase atinge o nível da obra-prima. E poderia até ser a de Wise, se não existisse Amor, Sublime Amor, embora neste não se deva esquecer a importante participação do coreógrafo Jerome Robbins, justamente creditado como co-diretor. Por fim, é indispensável mencionar em Punhos de Campeão o feito de que o tempo de narrativa e o tempo de sua projeção na tela são exatamente iguais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário