sábado, abril 23, 2005

LUIS BUÑUEL

Nascido com o século vinte, o espanhol Luis Buñuel foi um cineasta dos mais importantes. E o mais singular, segundo a opinião do crítico Moniz Vianna, formulada na década de 1960, para quem Bunuel não iria deixar herdeiros (eu incluiria aí Fellini) . Adesista de primeira hora do movimento surrealista e um dos seus principais nomes, Buñuel, na verdade, se manteve fiel a ele até o fim da vida. Claro que o surrealismo, e não podia ser de outra forma, aparece bem mais diluído em meio aos temas que ele aborda a partir de uma certa parte de sua carreira, mas é bem visível, por exemplo, num filme como O Fantasma da Liberdade, o penúltimo de sua obra. Numa entrevista aos críticos franceses André Bazin e Jacques-Doniol Volcroze, concedida nos anos 50 do século passado, Buñuel, após a observação do primeiro de que ainda conservava vínculos com o surrealismo, não só não nega o fato, como reconhece a sua dívida com aquele movimento. E falando em Bazin, este inclui Buñuel na lista dos cineastas que fazem "o cinema da crueldade", ao lado de Dreyer, Kurosawa, Hitchcock, Stroheim e Preston Sturges.
Examinando-se os filmes de Buñuel sob o prisma da narrativa e da linguagem, observa-se, se não um desprezo, pelo menos um desinteresse pelo cuidado, pelo apuro da forma. Ou seja, interessa-lhe é o impacto da cena, que a veracidade desta não seja comprometida por "adornos". É o antípoda de Visconti, que, mesmo quando mostra uma cena "forte", de impacto, jamais abdica do seu estilo requintado, do apuro visual-plástico, da elegância formal. Não se trata de um parentesco com o despojamento de Bresson, nem com o de Rosselini; não, é o toque de Buñuel, como existe o toque de Welles, o de Hitchcock, o de Fellini, enfim, dos grandes cineastas. Ele mesmo disse, certa vez, detestar o que chamava de "angulos complicados". E também não gostava do uso da música no cinema, conforme afirmou na mesma entrevista.
Voltando ao tema da crueldade na obra de Buñuel. Esse enfoque dado ao seu cinema o desagradava muito e, aparentemente, ele desconhecia (ou fingia) desconhecer a avaliação de Bazin. Pelo menos, não faz referência ao crítico francês na autobiografia Meu Último Suspiro (Nova Fronteira, 1982). Nesse livro, indispensável para se conhecer o cineasta e, principalmente, o homem, Buñuel revela a tristeza que sentiu ao ler este slogan, escrito sobre o cartaz de um dos seus filmes, exposto num cinema de Paris: "O metteur-en-scène" mais cruel do mundo". E o pior é que essa "crueldade" vinha associada à sua pessoa. Um pouco mais adiante de quando fala desse fato, ele conta a impressão causada em Vittorio De Sica por Viridiana. De Sica assistiu ao filme na Cidade do México (onde Buñuel residia), ao lado de Jeanne, esposa de Buñuel. Saiu do cinema "horrorizado", "sufocado", e depressa tomou um táxi, junto com Jeanne, para ir a um bar. No trajeto, perguntou a ela se o marido era um monstro na intimidade e se acontecia de bater nela. Resposta de Jeanne: "Quando é preciso matar uma barata, ele me chama".
O homem era tão digno de interesse quanto o cineasta. Tinha as melhores idéias quando estava solitário num bar, degustando um bom vinho. Adorava usar disfarces que o deixassem irreconhecível. Ele conta a peça que pregou no set de filmagem de Viva Maria, de Louis Malle. Entrou ali usando uma peruca, passou um tempão pra lá e pra cá, examinando a câmera, fitando os atores, e todos se perguntavam quem era aquele estranho velho, parecendo ser alguém enviado pelo produtor. Nem Jeanne Moreau, que trabalhara com ele há pouco tempo, não o reconheceu. Muito menos o próprio filho Jean Louis, que trabalhava como assistente de Malle.
No capítulo "A Favor e Contra" de Meu Último Suspiro, Buñuel revela aquilo de que gosta e de que não gosta, inclusive de filmes. Alguns filmes de que gostava: O Tesouro de Sierra Madre (Huston), Brinquedo Proibido (Clement), La Strada, A Doce Vida (Fellini), Glória Feita de Sangue (Kubrick), O Encouraçado Potemkin (Eisenstein), Persona
(Bergman). Gostava dos primeiros filmes de Lang e dos filmes feitos por Renoir até a chegada da Segunda Guerra. Não gostou de Casanova (Fellini), do qual saiu muito antes do fim, de Roma, Cidade Aberta (Rosselini), e detestou A Um Passo da Eternidade (Zinnemann), que classificou de "melodrama militarista e nacionalista".
Quase inteiramente surdo, Luis Buñuel morreu em 1982, com a mesma idade do século.

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