Há uns dez minutos ele está observando a mulher em seu sono intranquilo, a remexer-se, ora virando-se para o lado, ora voltando à posição de costas para a cama. A nudez da mulher é resguardada apenas pela calcinha branca, mas esta, transparente e bem ajustada ao corpo, deixa-lhe quase exposta a bunda, quando ela está de costas para ele. Enquanto a observa, ele procura precaver-se de qualquer sinal que o indique estar desperto, estático naquela posição, para que a mulher não acorde do sono inquieto e venha tirar-lhe a concentração nas palavras que ela disse há pouco, quando seus corpos estavam entrelaçados.
Pouco depois sentiu vontade de urinar. Levantou-se e, com cuidado para não fazer ruído, foi para o banheiro, à sua esquerda, a três passos da cama. Ficou sentado no vaso, para continuar olhando para a mulher, cujo corpo conseguia distinguir, graças a um pouco da iluminação vinda da rua através da porta aberta do pequeno terraço, à direita da cama. Quando terminou de urinar, decidiu deixar o quarto. Palmilhou-o silenciosamente, tendo a mesma cautela ao abrir a porta. Ao passar pela porta do quarto das crianças, ouviu o ressonar de uma delas. Na sala de visitas, dirigiu-se à janela e abriu-a. Uma aragem invadiu a sala, tocando-lhe o rosto, e ele sentiu um inesperado prazer, como se recebesse a carícia de uma mulher. Lá em baixo a rua estava silenciosa e deserta, tão diferente das horas do dia.
A pergunta da mulher voltou a assediá-lo. "E se eu gostasse de trepar com ele, o que é que você fazia?" Não entendia a razão de conferir um valor real àquelas palavras (ao ponto de lhe roubarem o sono) , se fora ele que as criara para a mulher dizê-las. Como outras sem conta, ao longo do casamento. (Desde os primeiros dias de casados, acostumara a mulher a falar certas coisas durante o ato sexual. Isso o deixava excitado.)
Mas, na verdade, fora o procedimento da mulher naquela noite que o perturbava. Ela fizera a pergunta, como ele ordenara, ele não disse nada, e foi aí que acontecera o inesperado: ela repetiu a pergunta, com uma pequena variação: "Hem, e se eu gostasse da pinta dele, o que é que você fazia?" A pergunta era a mesma. Mas estranhou que ela a repetisse, parecendo-lhe demonstrar um interesse incomum, e ficou com a sensação de que o seu silêncio (também um fato inédito nos jogos entre eles) tenha-a levado à desconfiança de que ele não estava simulando naquele momento; e sendo assim, ela quisesse saber como ele reagiria a uma situação real e não apenas imaginada para tornar mais excitante o ato sexual. Pensou em perguntar, na hora e depois de terminarem, a razão daquela segunda pergunta, mas acabou desistindo.
E agora estava ali insone na madrugada longa, olhando a rua, pela qual passava um carro em marcha lenta, como se o motorista não quisesse ferir o silêncio da hora. Quis consultar o relógio, esquecendo que o deixara no quarto. Sabia que não era muito tarde, mas que o sono já não viria sem a ação de um medicamento.
Ao ir pegar o remédio no armário do banheiro, encontrou a mulher saindo de lá. Tinha vestido uma blusa, talvez para se proteger do vento nas costas. "Perdeu o sono, bem?" Ele disse que sim e que ia tomar um sonífero e ver um pouco de televisão. Quando ainda estava no banheiro, ouviu-a soltar um longo bocejo.
Dia seguinte, como de praxe, ele saiu com a mulher e os dois filhos. Deixou primeiro os filhos na escola, depois a mulher no trabalho. Se beijaram, disseram tchau, a mulher saiu do carro, ele ficou observando-a retirar-se. Ao passar por um homem, este se virou e pôs-se a olhar para ela. Lá do carro ele não despregou os olhos do estranho, que só retomou a caminhada quando ela entrou num prédio. Ligou o carro e foi embora.
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