quarta-feira, janeiro 26, 2005

O ESQUECIDO JOSEF VON STERNBERG

Zapeando numa noite dessas pelos canais de tevê a cabo, detive-me na TV Assembléia, que estava exibindo O Anjo Azul. Fiquei uns vinte minutos vendo o velho Professor já começando a cair na teia da sedutora Lola/Marlene Dietrich, pois já conhecia o filme. E a uma certa altura veio-me à mente o esquecimento a que está relegado o diretor Josef Von Sternberg. Esquecimento, é preciso destacar, que não é de hoje. Em 1994 ocorreu o seu centenário de nascimento e não me lembro de ter visto, em nenhum jornal da grande imprensa no Brasil, nenhuma matéria alusiva ao fato. Ainda em vida, Sternberg deve ter amargado o silêncio que se abatera sobre ele e sua obra, que vem perdurando até hoje. Estranha e injusta essa atitude em torno de um cineasta que, já no cinema mudo, despertara a atenção da crítica com o elogiado Docas de Nova York, e durante os anos de 1930 ascendera ao patamar dos maiores diretores do cinema americano.
O Anjo Azul ele o fez na Alemanha. Com as rugas expostas, já perdeu parte da importância que teve ao ser lançado. É, sem dúvida, o seu filme mais popular, e pelo fato de ter aberto o caminho de Marlene Dietrich para o estrelato. E é imensa a dívida dela a Sternberg, que tirou-a de uma carreira até então obscura e nos seis outros filmes em que a teve como protagonista, lançando mão dos meios que a técnica cinematográfica proporcionava, e que dominava como poucos, transformou-a numa das divas do cinema, que o mundo reverenciou durante décadas, elevando-a à categoria de uma verdadeira "entidade", conforme assinalou um crítico.
Existe, entre os exegetas da obra de Sternberg, um consenso a respeito da natureza do seu estilo, por todos considerado pessoal e original. Um estilo que utilizava, com criatividade, os elementos plásticos (o crítico paulista, já falecido, Francisco Luiz de Almeida Salles, em seu livro Cinema e Verdade, afirma: "Com ele, o cinema fez-se gravura, fez-se desenho, a tela era uma prancha, onde o crayon dele aprofundou luzes e sombras".) e de iluminação, promovendo a criação de uma atmosfera de exotismo e de um certo mistério, que passava ainda uma sensação de irrealidade. O que o fez criar um mundo próprio, na opinião do mesmo crítico.
É de se imaginar os problemas enfrentados por um artista do porte de Sternberg, para ter preservadas as suas idéias sobre a realização de um filme, diante dos chefões de Hollywood, de interesse voltado apenas para o aspecto financeiro. Com relação, por exemplo, a O Anjo Azul, ele queria que o roteiro fosse filmado em ordem cronológica. Sorte sua que o filme tenha sido produzido na Alemanha, onde o produtor era mais flexível e satisfez-lhe a vontade. Seria impossível dobrar os executivos de Hollywood.
Mas, apesar dos percalços, ele conseguiu durante alguns anos uma certa autonomia sobre o seu trabalho, que foi, gradativamente, perdendo, à medida em que os seus filmes fracassavam nas bilheterias e ele já não contava com Marlene para atrair os espectadores e amansar um pouco os executivos. Começou a encontrar dificuldades para levar adiante os seus projetos, chegando ao ponto de, no período entre 1940 e 1953 (ano em que encerrou a carreira), fazer apenas 5 filmes, quando, só na década de 30, realizou 12.
Além de O Anjo Azul, dele só conheço O Expresso de Shangai, que possuo numa gravação em VHS. Revi há poucos dias esse filme, dois anos apenas mais novo do que aquele, e ele ainda me pareceu conservar certa juventude e a grandeza mostrada há mais de 70 anos, em que pese a previsibilidade do happy end. (Não é nenhuma incongruência presumir, contudo, que o final não tenha sido imposto ao diretor.) E as qualidades de O Expresso de Shangai, inúmeras, são destacadas pelo já citado Almeida Salles, em sua crítica de setembro de 1956, em O Estado de São Paulo, que a encerra qualificando a obra de "eterna".
Sternberg era austríaco de Viena, a mesma cidade onde nasceram também, entre outros cineastas, Fritz Lang e Billy Wilder. Ocupou várias funções no cinema, antes de estrear na direção, em 1925, com The Salvation Hunter. O prenome de batismo era Jonas, que, já adulto, alterou para Josef. Outra alteração em seu nome foi o acréscimo do aristocrático Von, sobre cuja origem existem duas versões. Segundo A. C. Gomes de Matos, em artigo para a revista Cinemin, foi imposto a Sternberg por um produtor. Já em seu livro Marlene, Charles Higmam afirma que foi adotado pelo próprio cineasta, cuja vaidade era tão grande quando o seu talento. Ele morreu em 1969, aos 76 anos. Em 1965 publicou o livro Fun in a Chinese Laundry, em que rememora a sua vida e a sua carreira.

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