domingo, agosto 29, 2010

A GRETA GARBO DO JAPÃO

 Setsuko Hara em "O Idiota", de Akira Kurosawa (1951)


Em 1963 a atriz japonesa Setsuko Hara decidiu abandonar o cinema. Tinha 43 anos e 28 de carreira,  iniciada em 1935.  E por ter o seu filme de estreia no cinema alcançado  um enorme sucesso, a companhia produtora achou por bem mudar o nome da atriz (Masae Aida) para Setsuko, o mesmo do personagem que ela interpretava. E como Tetsuko Hara, a atriz, mercê do talento e da beleza, transformou-se, no correr dos anos, em uma das mais queridas e admiradas pelos cinéfilos e críticos do Japão. Por causa disso, a sua aposentadoria precoce deixou  os fãs chocados, perplexos e assim como órfãos.Para piorar, a justificativa que ela apresentou não os convenceu e até - possibilidade em que  eles próprios jamais pensaram - lhe fizeram sérias críticas.  A esse respeito, eis o que escreveu o crítico Donald Richie (1): "Não teve a polidez de criar uma ficção relativa a problemas de idade - ela tinha apenas 43 anos - , a saúde debilitada, algum desejo ardente de se entregar a obras de caridade, a um mandamento espiritual de entrar para um convento. Nada disso - apenas uma declaração que soava como a verdade nua e crua".  A justificativa de Setsuko foi que "nunca havia gostado de fazer filmes, que os fizera meramente para sustentar uma família numerosa, que nada de seu desempenho como atriz lhe parecera bem e, agora que a família estava em boa situação, não via razão para continuar fazendo algo que não a interessava". Essas palavras feriram fundo os seus fãs, como uma punhalada nas costas. De repente, eles se sentiam como que logrados ao amar uma atriz que revelava que exercera a sua profissão não por vocação, mas como uma forma de dar sustento a uma família. E aí, de amada, ela passou a ser odiada. E entre os ataques  que recebeu, houve inclusive o que fazia insinuação sobre a sua sexualidade. É que Setsuko nunca casou, nunca se soube de nenhum caso amoroso seu, tudo indicando que mantém a virgindade até hoje, já velhinha, com 90 anos completados em junho passado.
Essa entrevista marcou sua última aparição em público. Tornou-se uma reclusa, só saindo para fazer compras e  em sua casa só recebia as poucas amigas. E quando um jornalista, descobrindo a sua casa,  aventurava-se a ir procurá-la, tinha a porta fechada na cara. A sua experiência no cinema ensinou-a  manter-se a uma estratégica distância dos fotógrafos, de maneira que nas fotos tiradas  Setsuko não aparecia com a nitidez que  comprovasse que ela era mesma a fotografada. Nos primeiros anos de aposentadoria recebeu ofertas  milionárias da sua produtora para voltar a trabalhar, mas recusou todas. 
Também em 1963 ocorreu um importante fato com outra pessoa ligada ao cinema: a morte de Yasujiro Ozu, no dia em que faria 60 anos. Ele foi um dos três maiores diretores do cinema japonês (há os que o consideram  o maior deles), ao lado de Kenji Mizoguchi e Akira Kurosawa. Setsuko Hara foi a atriz preferida de Ozu, com quem fez 5 filmes, entre eles as obras-primas "Pai e Filha" (1949) e "Contos de Tóquio" (1953), sobre as quais escrevi aqui. Pois bem. A atriz comunicou a decisão de se retirar do cinema poucos dias depois da morte do diretor. Teria essa decisão repentina  e nunca esperada a ver com a morte do cineasta, que também nunca casou, vivendo na companhia da mãe viúva? Ou foi uma simples coincidência?   Não sei  se, no Japão, alguém tenha levantado a hipótese de exisitir uma relação entre os dois fatos, mas sei que por lá circula a informação de que Setsuko mora em Kamakura, região que faz parte da grande Tóquio, na qual foi rodado "Pai e Filha" e onde se encontra o túmulo de Ozu.

(1) Publicado no livro "Emoção e Poesia - o cinema de Yasujiro Ozu", edição do Centro Cultural Banco do Brasil, Rio de Janeiro, 2010. 

10 comentários:

Jota Effe Esse disse...

Oa ídolos, ah, os ídolos! Todos costumam deixar um rastro de hipóteses e fãs descabelados sem entender o porquê de suas contradições. E Setsuko Hara não poderira fugir à regra. Parabéns mais uma vez, Francisco, por nos trazer esse mimo. Meu abraço.

Jacinta Dantas disse...

Cada um é como é, mas dos grandes, que nos mostram grandes e fortes personagens, espera-se que sejam diferentes. Mas, não há escapatória, de um simples mortal a uma celebridade: Cada um é como é. E aí está a dificuldade de se aceitar que alguém. com tanto talento, saia de cena com tal explicação. Mas...

Um abração e um domingo cheinho de tudo o que você precisa e merece no dia de hoje.

Sergio Andrade disse...

Que beleza de post, Sobreira! Adoro a Setsuko, uma de minhas atrizes preferidas de todos os tempos. Não conhecia esses detalhes da sua vida particular. Os filmes dela com Ozu são sublimes. Interessante o fato dela ter abandonado a carreira após a morte dele. Será que rolou alguma coisa entre os dois? Creio que nunca saberemos.

Um abraço!

tb disse...

Meu caro amigo. Um mimo este com que uma vez mais nos brinda. Visitar esta sua casota é acrescentar sempre algo ao nosso saber... Pois é as pessoas endeusam os outros para se sentirem eles mesmo, importantes. Depois...preferem a hipocrisia lidando muito mal com a realidade, ou verdade nua e crua.
Grande e terno abraço!

Claudinha ੴ disse...

Querido amigo, não conhecia. Mais uma vez aprendendo com você!
Eu penso que foi um desrespeito para com os fãs, mas ao mesmo tempo, ela foi fazer o que achou melhor para si.
A vida é cheia de caminhos que nos são estranhos...
Um beijo!

* Obrigada pela visita, eu postei novamente hoje, porque tive motivos de alegria numa realização de um grande amigo!Quer dar uma olhadinha?

Ilaine disse...

Escritor amigo! Eu também não a conhecia. Mas que interessante tudo o que narras sobre a atriz. Sim, muitas vezes as pessoas resolvem modificar sua vida - de uma hora para outra. E cada um tem este direito. Com certeza seu sumiço foi uma grande perda para o cinema.

Obrigada por mais esta aula. Adorei!
Beijo

DILERMArtins disse...

Mas bah, Sobreira.
Um primor de post!
Os fãs de modo geral, vivem nos extremos, para o bem e para o mal.
Endeusas, idolatram...Mas a primeira contrariedade criticam severamente...Não deve ser fácil ser ídolo...
Abração.

Vanuza Pantaleão disse...

Amigo,
Com sinceridade? Eu não ficaria com ódio de Setsuko, pois o que importa mesmo é o desempenho do ator perante às câmeras e a repercussão dele perante o público. Ela teve suas razões, todos nós temos as nossas, somos humanos...

Apreciei muito seu post!
Abraços!!!

Vanuza Pantaleão disse...

Um ótimo final de semana aí, Francisco!!!Bjssss

Marco disse...

Rapaz! Que história interessante!
Eu confesso que desconhecia esta atriz e ainda mais com as coincidências entre sua história de vida e da estrela sueca.
Muito legal.
Carpe diem. Aproveite o dia e a vida.