sábado, julho 03, 2010

DONA MERCEDES


Vez por outra ela me vem à lembrança. Dona Mercedes. Foi a minha primeira professora. Ensinava na casa onde morava com as filhas (era viúva), três ou quatro. Gorda, baixa, usava óculos. Pelo que me lembro, não era severa, embora puxasse muito pelo aluno. Usava um método prático e atraente de ensinar certas letras, como, por exemplo, o "t", do qual dizia que era um homem levando um carreto na cabeça. (Minha mãe por muito tempo contou isso às pessoas e o fazia sempre rindo.)
Alguns anos depois de ter sido seu aluno, fomos morar numa casa vizinha à dela. Mamãe gostava muito de Dona Mercedes e a visitava uma vez por outra. Me lembro de quando ela morreu. Teve que ir para Fortaleza, pois estava com um grave problema de saúde, parece que com câncer. Voltou num caixão. Quando o caminhão que transportava o caixão passou por nossa casa, alguns de nós estávamos reunidos no alpendre. Sem poder conter a emoção, os olhos úmidos, minha mãe falou que Dona Mercedes já ganhara o Céu. No seu velório, que não me lembro de ter comparecido, ocorreu um fato que, embora constrangedor, teve um componente de humor. Alguém foi apresentar os pêsames a uma das filhas, atrapalhou-se e deu os parabéns. Mas de imediato percebeu a imperdoável mancada e, demonstrando uma admirável presença de espírito, acrescentou que os parabéns eram por a moça ter tido uma mãe com as qualidades e virtudes de Dona Mercedes...
A gente jamais se esquece da primeira professora. É assim como a primeira namorada, a primeira transa. Naquele samba de Ataulfo Alves, "Meus Tempos de Criança", a letra fala de "saudade da professorinha, que me ensinou o bêabá". (Aliás, o último verso da letra contém um dos grandes achados do nosso cancioneiro popular: "Eu era feliz e não sabia". Em um verso de um poema seu, Fernando Pessoa diz algo semelhante.)
Eu não só nunca esqueci Dona Mercedes, como não me lembro das outras professoras que tive na infância. Espera aí. Me lembro também de Dona Elva, quando já estudava no grupo escolar. Uma mulher até certo ponto bonita, alva, corada, olhos de um verde claro (se a memória não estiver me pregando uma peça), casada com um irmão do proprietário do Cine Canindé. Mas é uma lembrança que me ocorre de maneira esporádica e sem o vigor e a saudade que tenho de Dona Mercedes.

11 comentários:

Jota Effe Esse disse...

Ah se me lembro, e como me lembro da minha primeira professora, dona Maria do Carmo, parecia uma santa, de tão boa que era! Meu abraço.

Jacinta Dantas disse...

Eita que essa lembrança fica com a gente para sempre. Como não lembrar da mulher que me apreentou a letra E - como uma escova de dente - (detalhe: eu ainda não tinha uma. Limpava os dentes, quando limpava, com cinza do fogão a lenha). Ai ai, de uma lembrança vou a outra, e por aí vai. Mas, com saudade mesmo, lembro-me da terceira professora. Era uma senhora de uns 40 anos. Com ela, mais que estudar as disciplinas de português, matemática... fui apreendendo noções de valores humanos. Hummmmm! agora senti vontade de escrever sobre esse período da minha vida. Quem sabe!
Grande abraço,Francisco. Tenha um bom domingo.

nina rizzi disse...

a minha era a Imara. me deu pollyanna quando a periferia me fugia aos pés.

oníricas as tuas lembranças, meu querido.

um beijo.

DILERMArtins disse...

Mas bah, Francisco.
A minha foi a Irmã Maria José, era uma freira alta, magra, óculos de grau e mão fria...Ou minhas orelhas é que eram quentes? Não sei...Mas gosto de lembrar mesmo é da prof. Olga, da 3ª série, está sim! Era dona de casa, mãe e prof.
Que saudades! Também acho que isso dá um post.
Abração.

Ledy Picinini disse...

Menino Francisco,

a minha foi a tia Marilza. E a tia Lourdes. Como amo as duas!

Luma Rosa disse...

Dª Espanha, a minha primeira professora. Não era uma senhora, era uma mocinha de 18 anos. Ela sentava no chão para brincar e depois da aula, levava-nos para sua casa. As mães morriam de ciúmes. Estava no maternal, claro! (rs*) Era ruiva e sardentinha, uma espuleta!! Boas lembranças! Beijus,

Sebastião Vicente disse...

A professora da criança que a gente foi, o dono da bodega da esquina perto de casa, um velho prefeito que inspirava autoridade, o bebum oficial da aldeia, o vendedor de pirulitos que aparecia junto com a tardinha. É bonito ver como a memória da gente, quando mais a gente vive, vai inscrustando em algum tipo de relicário só nosso (ou também da coletividade, o que é ainda mais valioso) a lembrança de certos tipos de pessoas e do tempo em que viveram e foram marcantes para os que com eles conviveram. Numa vida tão cheia de horrores - como este do goleiro e sua vítima que agora enche os noticiários - é bom registrar a vida por este ângulo, sob esta luz. Abraço amigo.

Isabel Aguiar disse...

Interessante o texto. Realmente existem preofessores que nunca esquecemos, que nos marcam de verdade.
Obrigada por visitar meu blog.
Grande abraço.

Marco disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Vanuza Pantaleão disse...

Oi, amigo!
Minha cabeça voltou aqui, no túnel do tempo.
Ataulfo Alves e suas Pastoras, tenho que revivê-lo lá no meu blog. Minha primeira professora, Dona Alice, bonita e calma. As Mestras do passado, todas dignas das nossas melhores lembranças.
Gostei demais dessa crônica, Sobreira!
Abraços!

Claudinha ੴ disse...

Olá Sobreira!

Linda homenagem! Eu não tenho como esquecer a minha... Foi minha mãe, em todas as fases da minha vida, inclusive na primeira série do grupo escolar!

Beijos!