domingo, abril 04, 2010

RASHOMON (1950)



Para lembrar os 100 anos do nascimento do diretor Akira Kurosawa (1910/1998), em 23 de março, estou publicando, com pequenas alterações, um artigo sobre Rashomon, que saiu neste blogue já há algum tempo. Ei-lo.


De forma admirável, Rashomon expõe e analisa a fragilidade moral do ser humano, quando posto diante de uma situação que exige a coragem de assumir a verdade de um fato. No incidente envolvendo a esposa, o marido e o bandido, durante um passeio do casal pela floresta, vê-se que quando essas pessoas prestam depoimento à autoridade policial, cada uma o faz apresentando uma versão diferente do fato, visando a não se comprometer. Impossível saber qual é a verdadeira, pois cada um dos depoentes falseia o ocorrido, para tirar proveito dele. Nem na versão do marido morto pode-se confiar, porque ela é divulgada por intermédio de uma pessoa viva - um medium. Ou seja, alguém suscetível às fraquezas do ser humano.
Rashomon, assim, seria uma obra totalmente cética em relação à natureza humana, ao revelar que o homem carece da disposição de assumir a verdade sobre uma ocorrência em que estiver envolvido. Se digo "seria" é porque, depois de revelar os depoimentos, o filme, no final, faz um sinal otimista, um sinal de esperança na recuperação do homem. E nada melhor que esse aceno seja feito pelo lenhador, que, mesmo já com muitos filhos, resolve adotar o recém-nascido deixado pela mãe num imóvel desabitado, do qual um vagabundo roubara os panos que o cobriam. É bom dizer, aliás, que esse final otimista foi elaborado por Kurosawa e seu corroterista Shinobu Hashimoto. Ele inexiste nos dois contos (do escritor Ryonosuke Akutagawa, que cometeu suicídio aos 35 anos) em que o filme se baseia. Com 40 anos na época, Kurosawa ainda podia ter ilusões em relação ao homem. Se o filme fosse feito muitos anos depois, tenho cá minhas dúvidas que ele o encerrasse dessa maneira.
Saindo do aspecto temático, Rashomon se apresenta como uma mais do que bem-sucedida combinação de fatores que o tornam um filme extraordinário. As imagens das cenas na floresta não contêm apenas a beleza plástica, como aquela em que o sol aparece por entre as árvores. Além da beleza plástica, elas fazem inserir um elemento poético, aliado a um quê de onirismo: o marido conduzindo pela rédea o cavalo, em que a mulher, usando um chapéu e um véu brancos, está montada.
A música de Fumio Hayasaka, que, segundo o crítico Antônio Moniz Vianna, é inspirada em muitas passagens do Bolero, de Ravel, é outro ponto a destacar, sobretudo quando acompanhada pelo toque de tambores.
No tocante ao comportamento do elenco, cabe uma menção especial o desempenho dos três atores centrais. A atuação extrovertida de Toshiro Mifune (que, este ano, estaria completando 90 anos), no papel do bandido, a qual privilegia os gestos exuberantes e o gargalhar constante, contrapõe-se à de Masayuki Mori (o marido). É uma interpretação trabalhada muito mais na expressão facial, compondo uma máscara muda e gélida, que pode exprimir a ironia e o desprezo em relação à mulher. Quando a esta, é vivida por Machiko Kio, cujo momento alto se dá quando ela leva as mãos crispadas aos olhos, para não ver a expressão de desdém do marido. Uma imagem em que se casam a beleza visual do close e a dramaticidade da interpretação.
Ganhador do Festival de Veneza e do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro (ambos os prêmios em 1951), Rashomon abriu as portas do Ocidente para Akira Kurosawa, que, com os filmes seguintes, consolidou o seu nome como um dos maiores diretores do cinema.


MEUS KUROSAWA PREFERIDOS

Rashomon (1950)
Viver (1952)
Dersu Uzala (1975)
Kagemusha (1980)
Os Sete Samurais (1954)
Sonhos de Kurosawa (1990
Homem Mau Dorme Bem (1960)
Ran (1985)

17 comentários:

Anônimo disse...

BOA PÁSCOA, Amigo!
Dei uma bisbilhotada, parabéns, você continua com o mesmo entusiasmo.
Li no jornal sobre ele (até recortei!).
Tudo de bom.
Saudade de quando eu tinha tempo para comentar sempre e tudo!.
Muitos Abraços,
Bisbilhoteira.
(www.bisbilhotices.blogger.com.br).

Lívio Oliveira disse...

Caro Sobreira,

Parabéns pelo belo texto. Como sempre!
Tomei a liberdade de postar um de seus textos lá n'O Teorema da Feira.
Espero que goste.

Abração!
Lívio

Jota Effe Esse disse...

Francisco, ler essa tua análise vale mais do que ver o filme. Meu abraço.

nina rizzi disse...

de fato, boníssima a análise.

Sobreira, vc já assistiu "O idiota", do Kurosawa, baseado na obra homônima de Dostoiévski? já li várias listas e este longe de 5 horas nunca figura. é o meu preferido.

um beijo aos teus 18 anos.

Luciana Horta disse...

Deixe o que não mais te serve para trás
Abra espaço no seu coração e na sua alma
Enterre seus sentimentos menos nobres e mais pobres
E, mesmo que não existam julgamentos e condenações alheios
Morra!

Renasça em harmonia e paz
(Re)começe
Fertilizando alegria e luz
Semeando a renovação e a libertação
Viva!

E, sempre que for necessário
Mude, transforme
Não com a pretensão de a todos agradar
Mas com a intenção de amar a você mesmo

Feliz Páscoa!

Sergio Andrade disse...

Seu excelente artigo me deu vontade de rever "Rashomon" correndo. Faz, sei lá, uns 20 anos que assisti. Belíssimo texto!

Um abraço.

Claudinha ੴ disse...

Querido amigo, você faz uma excelente análise e homenageia Kurosawa. Coisas pra quem sabe (e pode!). Eu conheço pouco dele, mas nunca é tarde...
Um beijo!

Claudinha ੴ disse...

Ainda é tempo e aproveito para desejar Feliz Páscoa a você e os seus!

Moacy Cirne disse...

Um bom artigo, meu caro. 'Rashomon' é o meu Kurosawa preferido, embora 'Viver', sob certos aspectos, eventualmente me pareça melhor.

Um abraço.

maith disse...

Pouco posso comentar sobre o texto em si, pois não vi o filme, alias ja faz muitos anos que não vou ao cinema.
Mas adorei receber sua visita, mesmo você dizendo que não lembrava de mim. Será que agora lembra? rsrs

Vanuza Pantaleão disse...

Só um intelectal da sua estirpe poderia se lançar na tarefa de falar desse "monstro sagrado", Akira Kurosawa...100 anos, mas tão atual. Assim são os grandes Mestres.
Uma boa semana, amigo!!!

Mariazita disse...

Querido Francisco
Penso que lhe devo uma explicação:
Sei que não gosta que, nos comentários, se fale de assuntos que não dizem respeito ao post propriamente dito.
No seu post anterior vim desejar boa Páscoa porque a sua caixa do correio está cheia e foi-me devolvido o email que lhe enviei a desejar boa Páscoa.
Não deixei esta explicação no post anterior porque, como deve ter reparado, foi uma espécie de "circular" igual para todos, que o tempo não dava para mais :)))
Espero que não fique aborrecido comigo...
Beijinhos

Ilaine disse...

Eu não vi Rashomon, mas fiquei muito curiosa. Sua descrição, Francisco, é formidável. Fiquei imaginando as cenas do filme e a música, baseada em partes nos boleros de Ravel. Obrigada por mais esta aula...

Abraço

DILERMArtins disse...

Mas bah, Sobreira.
Deu vontade de ver e rever a obra do Kurosawa...
Obrigado por compartilhar sua visão e pensamento, isso o torna, para nós, o lenhador do final de Rashomon.
Abração.

. fina flor . disse...

adoro esses cartazes antigos dos filmes de outrora.

beijos, querido e boa semana

MM.

>>> sempre me sinto uma perfeita ignorante quando passo por aqui, certeza de que não sei nada de nada de cinema, aff, rs*

Unknown disse...

Olá!

Meu nome é Douglas Santos e trabalho na agência publicitária Núcleo da Idéia Comunicação. Gostaria de um e-mail para que possamos entrar em contato direto. Por favor, envie para utopiaebarbarieofilme@gmail.com

Aguardo resposta e agradeço pela atenção.

José Viana Filho disse...

Um classico sem duvida!!

O instituto Moreira Salles , aqui no Rio de JAneiro, esta fazendo uma retrospectiva da obra desse mestre do cinema, vi alguns filmes dele q jamais veria em DVD e ou em Tela grande!!

ABs e muitas luzes ainda para esse blog!!

ate!!