domingo, abril 11, 2010

A MULHER QUE PASSA

Foto: via Google


A janela do quarto está aberta, não muito, e pela fresta sopra um ventinho agradável, e ele sente prazer no ventinho tocando o seu corpo, refrescando-se após um dia de forte calor. A rua lá em baixa está deserta e silenciosa. Um carro trafega lento, sem ruído, como se respeitasse aquele silêncio. Passa muito da meia noite. Estivera lendo por muito tempo, sentiu a vista cansada e pôs o livro de volta à estante. Sem sono, foi para a janela. Sentado com um radinho, o vigia de uma clínica médica é o único habitante da rua.
Vez ou outra ele se demora a observar a luzinha de uma antena, trepada no morro, brincando de acender e apagar, acender e apagar. A espaços meio longos, um carro passa pela outra rua.
De repente, lembrou-se da mulher. Fora pela manhã, no centro da cidade. Encontrara um amigo, sentado em um banco. Começaram a conversar. Os assuntos costumeiros de quando se encontravam: cinema, literatura, um pouco de futebol, e - como um intruso, cuja presença se quer evitar, mas não se consegue - a situação política. Depois apareceu um amigo comum, que não quis sentar. Estava apressado, pouco ficou, foi embora junto com o bonezinho de uma marca comercial. O outro amigo, que duas vezes já olhara o relógio, o deixou quase em seguida.
Sozinho, estendeu os braços no encosto do banco e sem nada em que pensar, pôs-se a observar as pessoas que passavam, quase todas com pressa. Às suas costas o barulho de ônibus e carros. Em dado momento virou o rosto para a direita. Diferentemente da maioria dos transeuntes, uma mulher caminhava em passos lentos, como se estivesse passeando. Talvez por querer se concentrar em alguma coisa, permaneceu nessa posição, observando a mulher vindo em sua direção. E foi então que ocorreu o inesperado. Ao chegar perto dele, a mulher o olhou. Não como quem olha por um segundo para uma pessoa e logo desvia o rosto. O olhar da mulher foi um pouco demorado (pareceu-lhe até que ela tenha parado, mas, talvez, fosse mais um desejo seu que isso tivesse acontecido). Demorado e penetrante. E ele sustentou a firmeza daquele olhar, não desviando o seu. Chegou a cogitar de abrir um sorriso, mas se conteve. Afinal ela virou o rosto e seguiu a caminhada, sempre em lentidão. Vendo-a se afastar, disse para si mesmo, se ela se virar, eu vou ao seu encontro. Mas a mulher seguiu em frente. E o seu pensamento passou a se concentrar naquela estranha. Uma mulher não muito nova, uns trinta e cinco anos, um pouco mais, um pouco gorda, mas o corpo bem-feito, o rosto bonito, a pele alva, cheia de cor - e aquele olhar verde (azul?) que lhe ofereceu.
Permaneceu por muito tempo ali. Não sabia por que, mas tinha a certeza de que a mulher voltaria, de novo o olharia daquela maneira, e ele a convidaria a sentar. Conversariam e depois iriam almoçar. Ficou por muito tempo esperando por ela, em vão. Afinal, levantou-se e foi para um bar próximo tomar uma cerveja, para aliviar-se do calor.
Olha para a calçada da clínica e só vê a cadeira do vigia. Deve ter entrado para ir ao banheiro. Naquele momento a rua está inteiramente deserta. Continua sem sono, mas resolve ir se deitar. E, rápido, lhe vem a esperança de, se dormir, a mulher lhe aparecerá em sonho, pois sente que não a encontrará outra vez .

12 comentários:

Moacy Cirne disse...

Um conto "silencioso", como se fosse uma história de Ozu filmada por Rohmer. Ou o contrário. Mas, sobrfetudo, há a luzinha de uma antena... que se apaga e se acende.

Um abraço.

Claudinha ੴ disse...

Ah querido amigo, eu adoro seus contos/crônicas/poéticos...
Você captou um momento que poderia passar despercebido a muitos, mas não aos olhos que sabem ver poesia. Quantas vezes já passamos por situações semelhantes, que ficaram em nossas mentes, mas jamais tivemos poesia para publicar este magnetismo todo.
Muito bom mesmo!
Um beijo!

Jacinta Dantas disse...

Sensação boa a que tenho agora ao ler seu conto. Uma calmaria invade meu coração acelerado, cheio de vontade de mudanças. É Francisco, sábio é quem capta momentos que se fazem assim, em segundos. Sábio em quem se permite sonhar. E sonhar, sonhar, fazendo poesia.
Grande abraço e bom domingo

Mariazita disse...

Gostei muito deste seu conto, que transmite uma grande paz.
Não há sobressaltos, até os carros rolam lentamente...
O acender e apagar da luzinha favoreceu o sono que irá trazer a desconhecida para o sonho.

Beijinhos

DILERMArtins disse...

Mas bah, Sobreira.
Seus contos vêm da alma...Nos dão o melhor da literatura; a possibilidade de pensar...
Vejamos esse, Mulher que Passa, quantos rumos: Se ela parasse...Se ele sorrisse...Se ela voltasse...ou, se a antena apagasse!
Uma grande abraço e parabéns.

nina rizzi disse...

poxa, que coisa mais linda, menino...

então, me atrasei na postagem, talvez a faça na semana que vem, aproveitando ra falar da sua história que reli ontem, numa talagada. vou tentar escrever sobre, eu que nunca escrevi sobre escrituras.

um beijo grande.

Ilaine disse...

Um texto lindo, delicioso. Momentos especiais, encontros raros: um olhar! E depois... o sonho. Uma mulher que passa, e que não volta.

Abraço

Márcia(clarinha) disse...

A mulher com seus olhar verde/azulado lhe deu paz e esperança de mais um dia.
Que delicioso conto, terno e desejoso de porvir.
Lindo dia amigo
beijos

Jota Effe Esse disse...

Bom para quem sonha, bom para quem vive com dúvidas em seu dia a dia. Assim é teu conto. Meu abraço.

Lily disse...

Olá, querido Sobreira
como sempre é muito bom ler as coisas que são um pouco de vc... Tenho tido pouco tempo de entrar no Blog, pois estou fazendo mestrado. Mas, sempre vou passar por aqui para compartilhar minhas imagens com as suas e vice versa.
Um abraço afetuoso

Luma Rosa disse...

Essa luzinha que acende e apaga!! Esse conto poderia virar um curta, estou antevendo!
Essa luzinha que acende e apaga!!
O homem que entra e sai da guarita.
As luzes que vão se apagando
Memórias e lembranças que vem e vão.
A mulher que vai embora, mas vem no pensamento.
Essa luzinha que acende e apaga!!
A vida é um pisca-pisca! Já dizia Emília, personagem de Monteiro Lobato.
Bom fim de semana!

Marco disse...

Belo conto, amigo Francisco... Sabe que uma vez me aconteceu coisa semelhante? Eu quando jovenzinho era meio bocó com as mulheres. E uma vez uma moça muito bonita me fitou assim, do nada, e eu fiquei sem ação. Ela andou e eu também me falei: "se ela se voltar, eu vou atrás". Ela não se voltou e eu fiquei sem aquele broto.
Carpe Diem. Aproveite o dia e a vida.