Há uma meia hora parara de chover, mas ele sabia que era apenas uma pequena trégua dada pela chuva, não demoraria muito tempo para ela voltar. Assim vinha sendo desde o início do dia. Levantou-se da cama, foi ao banheiro, urinou pouco, depois abriu a torneira. O contato da água com o rosto e as mãos o fez sentir mais frio. Ao voltar ao quarto observou, por um instante, as gotas da chuva congeladas no vidro da janela. Foi até lá. Pôs-se a olhar para a rua quase deserta naquela tarde que começava a escurecer. Um ou outro transeunte passava apressado, protegido por um casaco, o guarda-chuva preso no braço. Um ou outro carro, às vezes um ônibus, trafegava lentamente por entre as poças dágua. Dia horrível, pensou. Deixou a janela, sentou na cadeira de balanço e ligou a televisão. No canal passava um filme que já vira. Demorou-se uns cinco minutos, até a atriz , de que gostava (e, praticamente, o único atrativo que o fizera ver aquele filme anos atrás) desaparecer de cena. Outro canal apresentava um desses programas bobos e vulgares de variedades, mudou outra vez, havia um jogo de futebol. Os times não eram bons, ficou ainda menos tempo do que no canal do filme. Desligou a televisão. Pensou em ouvir música, mas logo desistiu da ideia. Permaneceu ali sentado, olhando sem interesse para a janela. Como previsto, a chuva voltava. O telefone tocou. Não havia mais ninguém em casa, mas não foi atender. O telefone parou, logo em seguida voltou a tocar. Ali preso à cadeira, vendo a chuva, que voltara intensa, molhar a janela, deixou-o dar as sete chamadas. Tinha certeza de que a pessoa iria tentar uma terceira vez e não deu outra. Ela liga e eu não atendo, disse com um arremedo de sorriso - quase uma careta. A pessoa desistiu. Levantou-se, dirigiu-se à cozinha, tomou meio copo dágua gelada que irritou levemente a garganta. A garrafa de café sobre a mesa. Tomou uns dois dedos de café, acendeu um cigarro e deu uma longa tragada. Sentiu algum prazer com a tragada. A chuva parecia ter aumentado de intensidade e, de repente, um raio clareou a cozinha. Afastou-se em direção ao combogó da área de serviço. As luzes dos postes da rua em frente já estavam acesas e através delas observou a chuva derramar-se sobre o calçamento. Terminou de fumar, jogou o cigarro no chão e o apagou com a sola da chinela. Retornava para o quarto quando o telefone tocou mais uma vez. Passou como um raio pelo telefone, como se este fosse um bicho repelente. Dessa vez deitou na cama. E ficou ouvindo o barulho do telefone, até a última chamada. Se for a mesma pessoa, não vai mais ligar, disse para si mesmo. Devia ser, pois o aparelho emudeceu. E ali na cama, o barulho que ouvia era o da chuva. Persistente, enervante. O apartamento mergulhou na escuridão. Como se a água da chuva tivesse invadido a janela e caído sobre os seus olhos, começou a chorar.
2 comentários:
Querido Francisco
Começo por desculpar-me pela minha falta de assiduidade, que você sabe ser devida a falta de saúde.
Só uma razão verdadeiramente forte me faria não visitar este cantinho de que tanto gosto, você sabe...
Enquanto estiver por cá, o que será até o próximo domingo ou 2ª.feira, irei visitanto um ou outro, conforme a disponibilidade.
Este seu texto descreve na perfeição o que se sente em determinadas ocasiões. "Senti-o" fisicamente, de tal modo está composto nos ínfimos pormenores.
Adorei!
Talvez porque ultimamente tenho tido alguns momentos assim, em que acaba por uma lagrimita querer assomar ao cantinho do olho (e eu não sou nada de choraminguices...).
Talvez, sim, talvez por isso eu o tenha apreciado particularmente.
Atenção, digo isto no bom sentido, não com o intuito de querer diminuir o valor do autor, que é por demais conhecido, e dispensa quaisquer elogios!!!
À hora da partida (quase...) vou fazer um pedido: não esqueça a sua amiguinha portuguesa, tá?
Eu levo vocês todos comigo, alguns em lugar especial..., e quando voltar darei notícias.
Desejo que TUDO decorra o melhor possível.
E se falar com seu amigo Moacy diga que deixo um beijo para ele, e quando regressar o visitarei. Não o esqueci...
Um abraço muito carinhoso e um grande beijinho. Até sempre.
Mariazita
Francisco, faz tempo que não venho aqui. E mais uma vez me deparo com um texto super bacana. Um grande abraço e ótimo fim de semana.
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