quarta-feira, setembro 10, 2008

OS 70 ANOS DE VIDAS SECAS


Reprodução da capa da primeira edição de Vidas Secas,
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Em 1938 vinha à luz Vidas Secas. Era o quarto e acabou por se tornar o último romance escrito por Graciliano Ramos. Vidas Secas se distingue dos outros romances do mestre alagoano em mais de um aspecto. Em primeiro lugar, a narrativa é feita na terceira pessoa e não mais na primeira pessoa, como ocorre com Caetés, São Bernardo e Angústia. Não parece apenas um detalhe sem importância, uma opção de gosto pessoal. No seu ensaio "Valores e Misérias das Vidas Secas", inserido na 30a. edição do livro (Livraria Martins Editora/1972), o crítico Álvaro Lins se faz esta pergunta: "Não será isto um sinal de que antes {o romancista} deixava os personagens entregues à própria sorte, enquanto agora se identifica com os desgraçados nordestinos de Vidas Secas"? Identificação essa que, na visão do crítico, torna Vidas Secas o mais humano e comovente dos livros de Graciliano, "o que contém maior sentimento da terra nordestina, daquela parte que é aspera, dura e cruel, sem deixar de ser amada pelos que a ela estão ligados teluricamente". E a atitude tomada por Graciliano em relação a Fabiano, Sinha Vitória e os dois filhos pequenos é acrescida de um elemento, se não solitário, pelo menos, incomum, na literatura, ou seja, a humanização da cachorrinha Baleia, que é tratada como um membro daquela miserável família. Além de dedicar um capítulo inteiro à morte dela (um dos melhores da obra), em algumas ocasiões Graciliano a faz agir como se da espécie humana fosse.
Muito usado nos livros anteriores, principalmente São Bernardo e Caetés, o diálogo inexiste em Vidas Secas. O que há são interjeições, palavras e frases isoladas, mesmo quando um personagem não está sozinho. E assim mesmo elas não ocorrem com muita freqüência.
Mas certamente o que mais diferencia Vidas Secas dos livros precedentes é a forma da sua construção. Os capítulos possuem uma autonomia, que faz com que cada um deles possa ser lido como um conto, conforme observou Álvaro Lins no citado ensaio. E aí surge a questão se se trata rigorosamente de um romance. No ensaio "Ficção e Confissão", que integra a 18a. edição de São Bernardo (mesma editora, 1972), Antonio Candido afirma que Vidas Secas "pertence a um gênero intermediário entre romance e livro de contos". E revela que alguns dos capítulos (que ele chega a chamar de episódios e de quadros) eram originariamente contos e como tal tinham sido publicados em revistas. Já o nosso maior cronista, Rubem Braga, define Vidas Secas de uma maneira que me parece a mais apropriada, ao chamá-lo de "romance desmontável".
Essa construção que pode ser um dos defeitos que tanto Álvaro Lins, quanto Antonio Candido, apontam no livro, é um defeito apenas na forma, no sentido de que alguns capítulos passam a impressão de ser "histórias incompletas" (Antonio Candido) e não no conteúdo. É que existe uma interligação entre os capítulos (ou contos, ou ainda quadros), em que é acompanhada a vivência daqueles desvalidos da sorte (no mínimo, há a presença de ao menos Fabiano, como em 3 ou 4), o que acaba por dar uma unidade ao livro. Com sua maestria, Graciliano soube armá-los de maneira a conferir-lhes uma harmonia (observe-se, por exemplo, que Vidas Secas começa e termina com a fuga dos personagens provocada pela seca).
Quanto ao estilo, Lins, se elege Angústia o melhor Graciliano, considera que, nesse aspecto, Vidas Secas supera os demais. "Em nenhum outro dos seus livros encontramos tanta beleza e tanta harmonia na construção verbal", diz ele, para acrescentar a descoberta de um elemento estranho na linguagem do autor: "E somente aqui este autor, de espírito tão pouco poético, consegue atingir às vezes um estado de poesia".
Vinte e cinco anos depois de lançado, Vidas Secas chegou ao cinema. Pelas mãos de Nelson Pereira dos Santos, que soube traduzir em imagens o espírito e a essência do livro. Se Vidas Secas não for o melhor livro de Graciliano (mas existem os que acham que sim), é o melhor filme de Nelson. E forma com Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha, realizado na mesma época, os dois maiores filmes do Cinema Novo.

Um comentário:

Regina Porto disse...

Sobreira,
É sempre uma satisfação, ver algum comentário sobre Graciliano Ramos, para mim o maior escritor brasileiro. Agora,que V.S completa 70 anos,estou fazendo circular na comunidade livro errante( http://www.orkut.com.br/Main#CommMsgs.aspx?cmm=28956097&tid=2582513976957363423) todos os livros do autor; quem não conhecia encantou-se e quem já tinha lido está tendo a mesma satisfação. Graciliano sempre merece aplauso.
Parabenizo você pela ótima análise em seu blog.
Abraço.