sábado, agosto 04, 2007

BERGMAN E ANTONIONI


Conheci primeiro o cinema de Antonioni, com aquele que é considerado por muita gente o seu maior filme: "A Aventura". E não gostei. Por certo porque carecia do conhecimento estético e da visão crítica daquele tipo de filme, embora já tivesse o interesse voltado para filmes que não visassem apenas ao sucesso comercial. Isso ocorreu quando ainda morava no Ceará e só uns 40 anos depois fui revê-lo em DVD, e aí pude perceber a sua grandiosidade. A única restrição que faço a ele, nas duas vezes em que o revi, é quanto à extensão da sequência na ilha, que me parece um tanto longa. Com poucos dias da minha chegada a Natal, vi "A Noite", que foi debatido numa reunião dos sócios do Cineclube Tirol. Não fiquei tão entusiasmado quanto os meus colegas pelo filme, mas a impressão foi infinitamente mais favorável do que sobre "A Aventura", visto 2 ou 3 anos antes. E vieram "O Eclipse", "O Grito" (que coloco logo depois de "A Aventura"), "Blow-Up" (exibido na sessão do Cinema de Arte promovido pelo Cineclube Tirol, antes de ser lançado no circuito comercial), "O Dilema de Uma Vida" e outros.
Deve ter sido em 1966 que fui apresentado a Bergman. Era "A Fonte da Donzela", que, se não me decepcionou, não me entusiasmou. Esperava muito mais de um cineasta de quem ouvia as melhores referências. E quando o revi em vídeo, a impressão foi quase a mesma. Tenho a convicção, e acho que não é só minha, que é um dos filmes menores dele.
Bergman e Antonioni. Qual foi o maior? Difícil dizer. Aí é uma questão subjetiva, pessoal. A mim, por exemplo, agrada bem mais o cinema do sueco, mas gosto de alguns filmes do italiano, inclusive de sua estréia no longa, "Crimes d'Alma", que vi em vídeo. O que é inquestionável é que ambos fazem parte do Olimpo cinematográfico. Sem eles, o cinema-arte teria sido menos rico. Quais outros dos seus pares seriam capazes de criar obras como as já citadas de Antonioni, e, de Bergman, "Morangos Silvestres", "O Silêncio", "O Sétimo Selo", "Persona", "Gritos e Sussurros", "Noites de Circo", "Fanny e Alexandre", além de outras inferiores a estas, mas, ainda assim, de qualidade?
Um fato que chama a atenção em Bergman é que sendo também um artista de teatro, tendo dirigido, segundo consta, 125 peças, os seus filmes não tenham a influência da linguagem teatral, como acontecia com alguns filmes de Visconti, também ligado ao teatro, inclusive o operístico. E curioso: o Bergman de filmes que abordavam temas como a morte, a velhice, os conflitos familiares e amorosos, os sentimentos, foi capaz também de fazer rir quando tentou a comédia. Só conheço uma delas, mas é um belo exemplo daquele tipo de humor fino, inteligente. Estou me referindo a "Sorrisos de Uma Noite de Amor". Já Antonioni me parece improvável que se saísse bem numa obra de humor e acredito que essa experiência jamais lhe passou pela cabeça.
Por outro lado, uma certa parte da filmografia de Antonioni, a começar pelos curtas, revela uma preocupação social (em "O Grito", p ex, já perto do fim, há um movimento dos habitantes da cidadezinha contra a construção de uma pista para aviões, infiltrando-se no drama existencial do personagem principal), e até política, a qual não interessava a Bergman. (Só em "O Ovo da Serpente", rodado na Alemanha, ele se engajou num projeto político, ao mostrar o embrião da barbárie nazista. E se em "Vergonha" existe um posicionamento anti-belicista, este é assumido pelo efeito moral que uma guerra, nunca mostrada e sem local nem época identificados, causa a um casal de artistas, que é progressivamente envolvido pelo conflito.)
Qual o maior Bergman? Aí de novo a questão subjetiva. Pode ser "Persona", um exemplar confronto entre uma enfermeira que assiste uma atriz-paciente que abdica do uso da voz e do contato com o mundo, com interpretações das maiores já vistas no cinema de Bibi Andersson e Liv Ulmann, feito com um rigor formal e estilístico - um filme em que, inclusive, é exposto o processo da criação artística. Pode ser "Gritos e Sussurros", uma obra perturbadora que, em alguns momentos, chega a causar mal-estar, com um maravilhoso emprego da cor vermelha. Esta, como muito bem observou Moacy Cirne em seu livro "Luzes, Sombras e Magias - Os filmes que fazem a história do cinema" (Sebo Vermelho/2005), se converte em um personagem, revestido de uma "significação emblemática". Personagem, sim, por envolver a vida daquelas três irmãs, uma já condenada à morte. Uma cena de maior impacto da presença do vermelho é aquela em que Ingrid Thulin, na cama e fitando provocadoramente o marido à sua frente, lambuza o rosto com o sangue retirado da vagina que ela ferira com um pedaço de vidro. Uma cena que comporta mais de um tipo de interpretação.Pode ser "Morangos Silvestres", uma análise da velhice e da morte, concentradas na figura de um velho professor, talvez o seu filme mais lírico, e, certamente, o mais "popular". E podem ser outros. A cada um o seu. Para ele, segundo li num blogue, os seus preferidos eram "Persona" e "Gritos e Sussurros".
Esses dois grandes artistas, por um desses acasos da vida, faleceram no mesmo dia, na última segunda-feira; Bergman pela manhã, Antonioni à noite. Entrevistado por um jornal italiano, Woody Allen, tiete de Bergman, revelou que este não desejava morrer num dia ensolarado. Teria se realizado o seu desejo?

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