sábado, agosto 18, 2007

20 ANOS SEM CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE


Completaram-se, ontem, 20 anos da morte de Drummond. Não vou falar do poeta, que grande parte da crítica considera o maior da literatura brasileira; não só porque tudo já foi dito sobre a sua poesia, mas também por me faltar a autoridade de inúmeros exegetas que sobre ela se debruçaram. Acho necessário falar alguma coisa do homem, que foi também extraordinário, do pouco que sei dele.
Há poucos dias li no saite do Estadão uma matéria que tratava da amizade de Drummond com o marido da sua filha Julieta, uma amizade que continuou mesmo depois da separação do casal. E que teve início quando o argentino Manuel Graña Etcheverry escreveu a Drummond comunicando a decisão de se casar com a filha dele. É uma carta em que o insólito, o inusitado, o imprevisível dão o tom. É que ao se dirigir ao já consagrado poeta, ao invés de assinalar as suas qualidades, Etcheverry optou por revelar ao futuro sogro todos os seus defeitos. Uma só das suas qualidades, que tivesse, foi omitida. Pois bem. A atitude daquele homem retratando apenas o seu lado negativo conquistou o coração do poeta e este o demonstrou na resposta imediata à carta. Ainda vivo, com 91 anos, Etcheverry fala comovido do amigo. Do respeito deste pela vida até de um inseto ("quando aparecia uma barata, ele a empurrava suavemente com um jornal, até que ela saísse para a rua") e do gesto com que Drummond o distringuiu, escolhendo-o para tradutor da sua poesia para o espanhol.
Drummond, o simples. Uma vez um colega, também mineiro, que viera transferido para Natal, me disse que quando trabalhava no Rio, viu muitas vezes o Poeta esperando pacientemente numa fila enorme para ser entendido. Aqui nesta cidade do Natal existe poeta que não tem condição de amarrar os cordões dos sapatos de Drummond que jamais passaria pelo desconforto de passar muito tempo numa fila. E ele há muito um nome consagrado, reverenciado até pela crítica estrangeira. Quando quiseram colocar uma placa com o seu nome na rua onde morava em Copacabana, não houve quem o fizesse aceitar essa pequena, mas justa, homenagem. Também recusou o prêmio de Intelectual do Ano que lhe outorgaram em certa ocasião. E convidado dezenas de vezes para ingressar na Academia Brasileira de Letras, manteve-se firme na sua decisão de não se tornar um "imortal".
Drummond, o corajoso. Em 1965, ou 66, Nara Leão, outra corajosa, criticou a ditadura militar e correu o risco de ser enquadrada na chamada Lei de Segurança Nacional. Ele, nas páginas do Jornal do Brasil, em que escrevia a sua crônica semanal, fez um longo poema defendendo Nara e prestando-lhe a sua valiosa solidariedade. Quando completou oitenta anos, recebeu um balaio de cartas parabenizando-o pela data e respondeu a todas. Um pouco antes este beradeiro de Canindé lhe enviou um livro e dele recebeu uma cartinha, pouco mais de um bilhete, agradecendo a remessa do livro e me estimulando com um generoso elogio.
Em meio a várias comemorações pelos vinte anos da morte de Drummond, será lançado, no próximo ano, um documentário sobre ele, concebido e realizado pelo neto Pedro e Maria de Andrade, filha do cineasta Joaquim Pedro de Andrade, o mesmo que, inspirado num poema de Drummond, realizou o seu melhor filme, "O Padre e a Moça".
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Drummond e "A Aventura", de Antonioni.
O Poeta era um grande cinéfilo. Greta Garbo era o seu xodó entre as atrizes. Adorava Chaplin, sobre quem escreveu o belíssimo "Canto ao Homem do Povo Charlie Chaplin". A título de curiosidade, veja-se abaixo o que ele escreveu sobre o filme do cineasta recentemente falecido. O comentário faz parte do livro "O Observador no Escritório" (Editora Record/2006), uma publicação de um diário que ele manteve entre os anos de 1943 a 1977.
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"Outubro, 29 [1961] - L' Avventura, de Antonioni, no Art-Palácio. Sem dúvida um filme excepcional, mas que nos deixa insatisfeitos. A mestria técnica e a beleza das imagens servem a uma história que não chega a impressionar, como se faltasse um elemento de vida autêntica às personagens ou ao diretor que as movimenta. A busca de Ana, na ilha, não é uma busca, mas um e vir inconvincente. De resto, em nenhum momento do filme tive a sensação de busca. Antonioni descreve os movimentos do amor sem participar deles nem pretender, aparentemente, que os espectadores participem. Não obstante a extensão do filme e a monotonia de algumas cenas, mantive-me interessado - não sei como consegui. Talvez nos sintamos obrigados a admirar um criador de arte, mesmo quando ele não nos satisfaz plenamente".

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