sábado, julho 07, 2007

UM FILME-ROMANCE

Em seu livro "O Cinema" (Brasiliense/1991), escreveu André Bazin que "Paisá [Rosselini] é provavelmente o primeiro filme que equivale rigorosamente a uma antologia de contos". E acrescenta: "A duração de cada história, a estrutura, sua matéria, sua direção nos dão pela primeira vez a impressão exata de um conto". Já "Hannah e Suas Irmãs" ("Hannah and Her Sisters"/1986), de Woody Allen, passa a impressão de que foi concebido como um romance. A narrativa é constituída de partes bem delimitadas, cada uma delas contendo um título. E o fato de um "capítulo" ter por título um verso de um poema de e.e. Cummings e outro uma frase de Tolstoi reforça essa impressão. Acrescente-se que é possível que o roteiro tenha se inspirado na peça "As Três Irmãs", de Tchecov, que foi também um escritor de contos, alguns dos quais contendo as dimensões de uma novela (ou um romance curto).

Reafirmando o destaque no próprio título, Hannah (Mia Farrow) é o personagem central do filme. É a líder daquela família, ora apartando uma briga entre os velhos pais, ora servindo de confidente ou conselheira para as irmãs Lee (Barbara Hershey) e Holly (Dianne Wiest), mas uma pessoa doce, amável, que, apesar de amar o segundo marido Elliot (Michael Caine), mantém uma boa relação com Mickey, o primeiro marido (Allen). O seu personagem é importante até por uma tensão (involuntária de sua parte) no seu casamento com Michael, quando este tem uma paixão avassaladora pela cunhada Lee, que vive com o insociável pintor Frederick (Max Van Sidow). (Uma cena marcante, pelo toque de lirismo e ternura, mostra os dois dançando em um apartamento de um hotel no "capítulo" Tardes.)

Estamos diante de uma comédia romântica, como aquelas que o cinema americano fazia tão bem nas décadas de 1930 e 1940, inclusive com o final feliz. Mas há também aquele humor inerente aos filmes de Allen, principalmente naquela época em que os seus filmes tinham um vigor criativo que foi arrefecendo ali pela metade dos anos 1990. O personagem de Allen , então, é de nos levar às risadas, com a sua insuperável hipocondria. E não faltam as piadas inteligentes, sempre mirando no modo de viver e de se comportar do americano.

Allen ainda presta algumas homenagens. A Bergman, de quem é, sabidamente, uma tiete, na escolha do ator Max Von Sidow, que trabalhou em vários filmes do mestre sueco. Aos Irmãos Marx, exibindo uma parte de um dos seus filmes, ao qual Michey vai assistir depois de uma tentativa de suicídio (por achar que está sofrendo de uma doença incurável) e sai do cinema com a alma leve e achando que a vida merece ser vivida. (Aí também poder-se-ia aventar a hipótese de que a homenagem se estenderia ao próprio cinema.) E sobre o título? Seria uma homenagem ao Visconti de "Rocco e Seus Irmãos"? Embora me parece que seja Fellini o diretor italiano preferido de Allen, pode ser que ele tenha querido reverenciar o esteta Visconti, inclusive porque há, no filme, a apresentação de uma ópera de Puccini. E, como sabemos, Visconti, que empregou o seu gênio no teatro dramático, também o fez no operístico.


****************************

CURIOSIDADES/INFORMAÇÕES SOBRE O FILME


1. Maureen O'Sullivan que interpreta a mãe de Hannah era mãe de Mia Farrow. Mia, cujo nome é Maria de Lourdes, é fruto do casamento de Maureen com o diretor John Farrow. Nos primeiros anos de sua carreira, Maureen trabalhou em filmes de Tarzan, fazendo o papel da Jane.

2. Este foi o derradeiro filme de Lloyd Nolan, que atua como pai de Hannah. Nolan foi um bom coadjuvante, que apareceu, com frequência, em filmes das décadas de 1940/50.

3. "Hannah e Suas Irmãs" ganhou os Oscars de Melhor Ator Coadjuvante (Michael Caine), Melhor Atriz Coadjuvante (Dianne Wiest) e Melhor Roteiro Original, escrito pelo próprio Woody Allen.

Nenhum comentário: