quarta-feira, outubro 04, 2006

UM TELEFONEMA PARA A INFÂNCIA


Não eram 8 horas da noite da sexta passada quando o telefone tocou. Só no apartamento, fui atender a chamada. Uma voz masculina queria falar com o Francisco. É ele, eu disse. Sem perguntar como eu ia, o homem foi iniciando uma espécie de divertido jogo para que eu o identificasse. A primeira pista fornecida: fôramos amigos, mas há exatos 50 anos perdêramos contato o. Não sei por que supus, de imediato, termos nos conhecido no Liceu, onde ingressei em 1956. Ele disse não, não estudei no Liceu (e eu depressa reconheci o meu erro, pois estudara naquele colégio até 1960, o que reduzia para 46 anos o nosso último contato), nós nos conhecemos de Canindé. E o jogo continuou. Ele disse que morava na praça da Basílica (a principal da minha cidade) , argumentei que na praça moravam outros amigos meus. E ele, você se lembra do bar do Maciel? Disse que sim e deduzi que ele fosse o Antônio, filho do Maciel. Segundo erro meu. Aí ele deu a pista definitiva, que morara vizinho ao bar. Então, como um estalo, eu me lembrei do Quinca, filho de Antônio Magalhães e de Dona Mirtes (uma bonita mulher) : então, você é o Quinca. Do outro lado da linha veio a risada jubilosa, por eu, afinal, ter identificado o dono daquela voz, e, acoplada a ela, a diversão, como se aqueles dois homens, já entrados na casa dos 60, estivessem participando de uma uma brincadeira de quando eram meninos. Aí voltamos, por um breve momento, ao presente, cada um querendo saber como o outro estava vivendo. Mas foi por pouco tempo, porque ele queria relembrar um episódio que ocorrera comigo e do qual não me lembrava. Ei-lo.
Um solteirão da nossa cidade gostava de promover na praça, à noite, uma corrida de garotos. Quinca não disse, nem me recordo, se aquele homem dava algum prêmio ao vencedor. Bom, a corrida se dava assim. Era uma disputa entre dois meninos, mas eles não corriam emparelhados. Um menino ficava no início do lado direito da praça e o outro se postava do lado esquerdo. Ao dar-se a largada, o vencedor seria o que chegasse primeiro ao final de um dos lados. Morava ali na praça o Tirso Rabelo, que corria como o diabo, e sempe ganhava. E se gabava de não ter concorrente à sua altura. Pois um dia eu resolvi enfrentar o Tirso. O Quinca não disse se por iniciativa própria ou se fui estimulado por alguns amigos. O certo é que disputei com a fera e ganhei dele. Fui ovacionado e o Tirso gozado pelos demais. O Quinca também não informou se houve revanche. Mas o episódio tem a intromissão do insólito, ou seja, continuo não me lembrando dele, mesmo depois de relatado pelo amigo. O que lembro é que gostava de apostar corrida na praça, mas com outros meninos e as corridas eram promovidas por nós mesmos. Se a memória é seletiva, como dizem, eu devia não tê-lo esquecido. Não é estranho?
Mas o Quinca tinha outra coisa pra me contar. Você talvez não saiba que fui apaixonado por uma parenta sua. Paixão de criança, eu tinha 11 anos. A paixão do meu amigo se chamava Salete, um pouco mais nova do que ele, filha de um irmão do papai. Era uma menina bonitinha, com um leve estrabismo. Na década de 1970 ela morou em Natal durante cerca de um ano, por causa da remoção do marido, da Polícia Federal, para esta cidade. Estava ainda mais bonita, mas evitei dizer isso ao Quinca, que, cinquenta anos depois, parece estar ainda interessado nela. Revelou que conservara uma fotografia de Salete participando de um pastoril e quis saber onde ela estava residindo. Eu não sei, mas prometi que iria cair em campo para saber o paradeiro dela e o informaria no próximo contato que tivéssemos. Porque ele disse que iria me ligar outras vezes, agora que conseguira o meu telefone.
Não é necessário dizer o quanto aquele telefonema me fez bem. Por alguns minutos pude voltar aos tempos bons da infância e retomar o contato com um amigo. E depois de falar com ele, fui rever uma foto em que estamos na companhia de mais 3 garotos, antes do início de uma pelada. Quinca e Boroca (um negrinho muito bom de bola) em pé, enquanto eu, Nei (filho de uma professora, o nome não me ocorre agora) e Tonico, filho de um comerciante. Eu estou ladeado pelos dois, segurando a bola, como centro-avante do ataque. Bons tempos. Velhos tempos. E muitas saudades.

Um comentário:

Anônimo disse...

Excepcional,foi a palavra que encontrei para comentar o texto.
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