quarta-feira, julho 26, 2006

O MÉDICO E O MONSTRO, GUARNIERI


1) Esta versão da obra de Robert Louis Stevenson, datada de 1931 ( os dicionários de cinema de Rubens Ewald Filho e do francês Jean Tulard a colocam como sendo de 1932, mas nos créditos do filme consta o ano de 1931) , realizada por Rouben Mamoulian, diretor de origem georgiana radicado em Hollywood, foi lançada , há uns dois anos, num DVD duplo, que tem no outro lado a versão do mesmo filme de 1941, dirigida por Victor Fleming (E o Vento Levou ) . O fato de o mesmo disco conter duas versões do livro de Stevenson oferece-nos a oportunidade de fazer uma comparação entre ambas. Isso feito, sai ganhando o filme de 1931, e essa superioridade deve-se à criatividade da direção de Rouben Mamoulian, que apresenta alguns achados de linguagem. Dois, pelo menos, chamam a atenção. 1) A cena em que o Dr. Jekill, ao caminhar em direção à casa da namorada, a fim de pedi-la em casamento, pára num parque e fica a observar um passarinho pousado numa árvore. É impressionante a mudança de comportamento do médico, jubiloso com a presença do passarinho (o que o leva a recitar um trecho de um poema) , e logo em seguida, quando a avezinha é devorada por um gato, assoma a sua satisfação pelo ato criminoso, legitimada com a sua transformação no horrendo e perverso Mister Hyde. 2) Na cena da transformação de Hyde em Jekill, na presença de um amigo, um plano mostra a vela já bem menor e com uma grande quantidade de cera derramada no castiçal, e então a câmera se afasta e a vela assume a aparência de uma cruz, colocada entre os dois homens.
Também digna de nota a agilidade na passagem de uma cena para outra, ao mostrar no mesmo quadro a cena que está terminando e a outra que se inicia. Um ponto negativo do filme talvez esteja em alguns excessos na interpretação (no geral, boa) de Fredric March. (Já Spencer Tracy me parece melhor na outra versão, e esse detalhe deve ser o único ítem em que o filme de Fleming pode superar o de Mamoulian.) Enfim, uma boa surpresa para quem não conhecia esse filme, o que vem comprovar que o diretor Mamoulian foi um destaque naqueles anos de ouro de Hollywood, ao realizar filmes como "Ama-me Esta Noite", "O Cântico dos Cânticos", entre outros. Fez cerca de vinte filmes, encerrando a carreira com menos de 60 anos, com o bem-sucedido "Meias de Seda" (1957), uma versal musical de "Ninotcka", de Lubitsch.
2) Era grande admirador de Gianfrancesco Guarnieri, esse italiano de Milão, que aqui chegou com três anos de idade. Admirava o seu trabalho como ator e como dramaturgo. Nessa segunda faceta de seu talento, Guarnieri foi o primeiro teatrólogo a levar o operário a subir ao palco em "Eles Não Usam Black-Tie", obra que marcou o teatro brasileiro na década de 1950. Talvez seja a sua peça mais cultuada, mas ele escreveu outras de grande nível, como "Um Grito Parado no Ar", para citar apenas uma. Foi também autor de letras para músicas, como "Upa, Neguinho!", em parceria com Edu lobo, imortalizada na voz de Elis Regina.
Infelizmente, trabalhou pouco no cinema. Dez filmes, apenas. Estreou em "O Grande Momento", de Roberto Santos (1958) , um excelente filme, influenciado pelo Neo-Realismo. Quando "Eles Não Usam Black-Tie" foi adaptada (e muito bem) para a tela por Leon Hirzsman, Guarnieri, que também atuara na peça, atuou também no filme. Só que em papéis diferentes. Mais de vinte anos depois, ele não poderia mais interpretar o jovem fura-greve, cabendo-lhe o papel de pai deste, tendo como esposa Fernanda Montenegro. Guarnieri morreu poucos dias depois de Raul Cortez. E tinham quase a mesma idade. Duas perdas inestimáveis para a arte brasileira.

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