sábado, julho 15, 2006

E LA NAVE VA (1983)


Nesse que é seu último grande filme, Fellini reverencia o cinema em sua forma de fabricante da imaginação, da ilusão, da ficção. "E la Nave
Va" foi todo rodado em estúdio e Fellini faz questão de tornar o espectador ciente de sua opção, quando, antes da cena final, abre para o espectador o set de filmagem, pondo à mostra os equipamentos utilizados. (Já numa cena do filme, ele sugere a realização de "E la Nave Va" em estúdio, através de um personagem que, ao comtemplar o sol se pondo, diz que este parece não ser real.) Uma reverência que pode soar irônica, pois feita por um cineasta de um país que foi o primeiro a fazer as filmagens saírem dos estúdios e ganharem as ruas. Essa homenagem ao cinema em sua fase juvenil se faz nos primeiros minutos de "E la Nave Va": o preto-e-branco é usado , assim como a falta de som, com a inserção de subtítulos. Não falta, inclusive, a imitação de um personagem cômico (talvez Carlitos, sem o bigodinho), feita por um personagem. Só quando os passageiros sobem a escada do navio é que a cor se instala, junta com o som.
Já no interior da nave, ficamos sabendo o objetivo daquela viagem, realizada em 1914, quando a Primeira Guerra Mundial ja fora deflagrada. Os passageiros estão acompanhando as cinzas da cantora lírica Edmea Tetua (Janet Szuman), que serão depositadas numa ilha onde ela nasceu. Ou seja, a viagem é como se fosse um enterro da cantora, que, não fosse a sua vontade, teria se realizado num cemitério. Quem nos deixa a par disso é Orlando (Freddie Jones), um jornalista, que assume a condição de alter ego de Fellini. É ele que nos apresenta os demais personagens, fornecendo informações, verdadeiras, ou não, sobre suas personalidades, defeitos, esquisitices, etc etc. É quando nos deparamos com o Fellini de sempre, em uma das premissas básicas do seu universo temático; ou seja, o desfile de personagens os mais exóticos, extravagantes e bizarros saídos da mente de um cineasta. O maior deles é um rinoceronte, que exala um odor fétido. Não se sabe o significado da presença do animal. E é trabalho inútil procurá-lo, do mesmo modo que o fazer com a presença de certos elementos nos filmes de Buñuel Não deve passar de uma brincadeira de Fellini. O que pode ser confirmado na última fala do filme. Com o ar de quem vai fazer uma importante revelação, a mão tapando um lado da boca, como se prevenindo para não ser escutado por alguém, o jornalista afirma que, segundo dizem, o rinoceronte "dá um leite formidável".
É o Fellini irônico, irreverente, iconoclasta, às vezes, cruel, às vezes beirando o vulgar, de outros tantos carnavais. Mas há uma exceção: a jovem Dorothy, de beleza suave e tranquila, o rosto de anjo, que nos remete à lembrança daquela garota de "A Doce Vida".
NOTA - E a programação cinematográfica dos dois shoppings de Natal continua uma titica. A do Midway , então, é sem comentários. Há uns meses o gerente, ou algo parecido, da rede de cinemas daquele shopping informou que estava sendo programada a exibição de filmes de arte numa das salas de exibição. Pelo visto, ficou só na promessa. E ainda há quem nos reprove quando vamos nos socorrer das vídeolocadoras. Será que esses caras estão sabendo que os espectadores de filmes em DVD (são daos estatísticos) estão superando, em muito, mas em muito mesmo, os dos que vão ao cinema? Ah, que saudades da década de de 196o!

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