Este texto foi por mim publicado no blog O Apanhador de Sonhos, de Bené Chaves, no ínicio deste ano. É republicado aqui, não só por não dispor de um assunto novo, mas, principalmente, pelo ensejo de mais um aniversário da morte de Fellini no próximo dia 31.
Em meu primeiro contato com o cinema de Fellini, eu não tinha a menor idéia de quem ele era. Aliás, na época eu ignorava o nome de qualquer diretor. Adolescente, com quatorze para quinze anos, entrava num cinema atraído pelo nome dos atores e das atrizes, pelo título do filme, ou, ainda, pelo gênero (sendo faroeste, então, pouco me importava quem fosse o ator). O que me atraiu em Na Estrada da Vida foi a presença de Anthony Quinn no elenco, ainda que esse ator não fosse um dos meus preferidos; pelo contrário, antipatizava-o por sempre fazer o vilão. Dos outros atores do filme, eu jamais ouvira falar. E, então, caí na estrada... O filme não me agradou, nem desagradou. A impressão que tive dele foi de algo diferente de tudo quanto visto de cinema até aquela data. É muito provável que a uma certa altura tenho querido abandonar a sala, tão acostumado estava aos filmes que via na época, alem de ser privado de um mínimo de visão crítica de cinema. Houve, no entanto, uma cena que me chamou a atenção. Na verdade, foi uma frase dita pelo personagem conhecido por O Louco, numa conversa com Gelsomina. Ao tentar convencer aquela coitada (um dos maiores personagens criados pelo cinema) de que ela não é uma ínutil (e, portanto, o bruto Zampanó precisa dela), ele apanha do chão uma pedrinha e diz que até uma coisinha daquelas tem uma utilidade na vida, só que ele não sabe qual é.
Muitos anos se passaram até que eu voltasse a ter contato com o cinema de Fellini. Já estava morando em Natal, a minha visão de cinema já evoluíra, sobretudo por integrar o Cineclube Tirol. Este exibia uma sessão de arte uma vez por semana, num dos cinemas da cidade, e foi nessas sessões que assisti Oito & Meio, Os Boas Vidas, Noites de Cabíria e Abismo de um Sonho. O último não consegui ir além da metade, mais ou menos. Não, o filme não é ruim, o caso é que a energia pifou durante a projeção e não foi restabelecida pelo resto da manhã. E, assim, passei quase quatro décadas sem conhecer integralmente o primeiro filme solo de Fellini, o que só ocorreu no ano passado. via DVD. E passei a acompanhar, pelo circuito comercial, os filmes que esse grande artista realizou depois de 1965.
Ah, Fellini. Em seu recém-lançado Um Filme por Dia, o crítico Moniz Vianna diz de Buñuel que este não terá seguidores. Digo o mesmo de Fellini. Seu universo temático, com suas fantasias (não raro, delirantes), suas reminiscências infantis, suas confissões, seus tipos bizarros, seu humor que, às vezes, beira o vulgar, o mau gosto, e aquele ritmo peculiar (no que é muito ajudado pela música de Nino Rota), faz dele um cineasta singular. E talvez o seja, sobretudo, por ser o mais autobiográfico dos diretores. Ele próprio reconhece isso, ao declarar numa entrevista: "se um dia fizer um filme sobre um peixe, acabarei falando de mim mesmo".
Qual o seu maior filme? Acho que tem alguns. Oito & Meio, A Doce Vida (embora deste ache que umas duas ou três sequências poderiam ser menos longas), Na Estrada da Vida, E la Nave Va, Amarcord, o último, seguramente, o seu filme mais "delicioso", que, nesse aspecto, está para a sua obra, como Depois do Vendaval está para a de Ford. Dele só não gosto de Casanova, Cidade das Mulheres e A Voz da Lua. Os dois primeiros ainda têm alguns bons momentos, como o ritmo bastante acelerado nos minutos iniciais do segundo e, no primeiro, sobretudo, o final. (Falando em final, Fellini tem alguns antológicos. Há na preferência dos cinéfilos quase um consenso sobre o de A Doce Vida. É de fato notável a imagem da garota de rosto angelical chamando por um nauseado e fatigado Marcello Mastroianni, em que o diretor nos acena com um pouco de esperança, mas ainda prefeiro o final de Oito & Meio: a imaginação de Guido, o diretor, promove a reunião de todos os personagens, de mãos dadas, sobre uma plataforma, enquanto lá embaixo o garoto (Guido-Fellini) forma com três palhaços um lírico e nostálgico quarteto musical. Devem ser também lembrados os de Noites de Cabíria e de Na Estada da Vida.) Mas A Voz da Lua , seu último filme, é sem-graça, sem inspiração, e com momentos de humor em que 0 limite do vulgar é ultrapassado. Ele não merecia encerrar uma bela carreira num nível de qualidade tão iinferior aos seus maiores momentos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário