sábado, julho 30, 2005

ANÍBAL MACHADO



Fausto Cunha, falecido há pouco mais de um ano, foi um brilhante crítico literário. Mas por que começar um texto sobre o escritor Aníbal Machado, falando do crítico pernambucano, que se radicou no Rio de Janeiro? O caso é que Fausto Cunha emitiu uma opinião curta, mas precisa e certeira, a respeito da produção contística de Aníbal Machado. Em seu livro Situações da Ficção Brasileira (Paz e Terra, 1970), num dos capítulos dedicados ao conto, ele diz a seguinte frase: "Aníbal Machado viveu a vida inteira o prestígio de meia dúzia de histórias admiráveis". Nada mais correto. Tendo publicado apenas 13 contos, Aníbal produziu, pelo menos, uma obra-prima, "Viagem aos Seios de Duília", além de uns 5 ou 6 contos notáveis, como "O Iniciado do Vento" (talvez outra obra máxima), "O Piano", "Tati, a Garota", "O Telegrama de Ataxerxes (este com um forte acento kafkiano, embora revestido de um certo humor), "O Ascensorista" e uns dois outros.
"Viagem aos Seios de Duília", na minha modesta opinião, não é apenas um dos maiores contos brasileiros, mas pode, tranquilamente, figurar entre os maiores do conto universal. Que belo trabalho sobre aquele exemplar funcionário público, que sublimou na dedicação ao trabalho a sua solidão, a falta de convívio com as mulheres, a incomunicabilidade. E que jamais se libertou da visão de um seio de Duília, quando ambos eram adolescentes. Ao se ver aposentado, depois de estéreis tentativas de, enfim, "viver a vida", José Maria, mais do que nunca, se volta para aquela visão do passado e decide ir à procura da mocinha que lhe proporcionou, talvez, a única coisa boa da sua vida. No livro que possuo (A Morte da Porta-Estandarte e Outros Histórias, Editora José Olímpio, 1964), há um primoroso ensaio sobre esse conto sublime, escrito por M. Cavalcanti Proença. É uma pena que uma história tão bela não tenha tido a mesma correspondência ao ser levada ao cinema pelo diretor argentino, radicado no Brasil, Carlos Hugo Christensen, que, aliás, filmou outro conto de Aníbal, "O Iniciado do Vento" (no cinema, O Menino e o Vento). O filme não chega a ser ruim, tem algumas qualidades (a interpretação de Rodolfo Mayer, por exemplo), mas fica muito distante do original.
Um dos contos de que mais gosto é "O Ascensorista". Um estudo de vidas humanas, com alguns momentos de humor, narrado na primeira pessoa pelo ascensorista de um edifício, misto de residencial e comercial. É um conto meio longo, como, aliás, quase todos de Aníbal, mas que em nenhum momento induz o leitor ao cansaço ou ao desinteresse. A uma certa altura, em meio às suas reflexões/divagações, o ascensorista solta esta frase onde está contida uma grande verdade: "O elevador é o único transporte gratuito e igualitário da cidade".
E volto a Fausto Cunha, porque tendo a acreditar, depois de ficar um tanto decepcionado com o romance João Ternura, que o talento de Aníbal foi mais bem explorado no conto. Pena que não os tenha produzido em maior quantidade. É verdade que não conheço Cadernos de João, que Moacy Cirne elogiou um dia desses.
Parece que Aníbal era um aficionado de cinema. Ele proferiu uma conferência sobre o tema, intitulada O Cinema e Sua Influência na Vida Moderna, publicada em livro em 1941. É uma rarudade bibliográfica, pois, editada pelo Instituto Brasil-Estados Unidos, não deve ter tido distribuição comercial. Taí um livro que tenho curiosidade de conhecer, pois deve ser, no mínimo, interessante, provindo de um escritor e intelectual do porte de Aníbal Monteiro Machado.

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