Outro dia numa matéria sobre a Nouvelle Vague na Internet, o nome de Louis Malle aparece como um dos participantes daquele Movimento. Eis um equívoco em que ainda incorrem alguns cinéfilos/críticos mal informados. Creio que isso tem a ver com o fato de Malle ter estreado no longa quase na mesma época do nascimento da NV., embora o seu primeiro filme, um curta, date de 1953. Sim, é verdade que no livro Os Filmes de Minha Vida, (Nova Fronteira, 1989), na parte intitulada "Meus Companheiros da Nouvelle Vague", François Truffaut comente dois filmes de Malle, mas é possível que tenha considerado todos os filmes ali analisados, de diretores comtemporâneos seus, como empenhados em uma nova forma de fazer cinema, em oposição aos filmes de diretores da "Vieille Vague", e não apenas os de seus verdadeiros pares da NV.. Se assim não fosse, é o caso de se perguntar o que ali estava fazendo Roger Vadim. O certo é que Louis Malle nunca foi bei aceito pela turna da NV., certamente por manter uma independência em relação ao Movimento. E, aliás, em seu Zazie dans le Metro (1960), há numa fala de um personagem uma referência maliciosa à Nouvelle Vague.
E o cinema de Malle possui uma característica inconfundível que não não devia atrair as simpatias daquele grupo. Quero aludir à queda que ele sempre demonstrou pelo ousado, o escandaloso, o polêmico, desde quando no distante ano de 1958 mostrou, em Os Amantes, uma variação do ato sexual, chocando os puritanos da época. E ao revelar isso, Malle procurava atingir aquele que, segundo o crítico Ricardo Cota, era o alvo principal de seu ataque, isto é, "os arraigados costumes burgueses", encobertos pelo manto do puritanismo, da hipocrisia, do falso moralismo. Na fuga do personagem de Jeanne Moreau com o amante, ela (mal) casada com um homem riquíssimo, é feita a defesa da liberação da mulher, quando o feminismo era uma palavra que não constava do dicionário.
E daí pra frente ele expôs a relação incestuosa entre a mãe e o filho adolescente em O Sopro no Coração (1970), o colaboracionismo à ocupação nazista, uma mancha indelével no orgulho francês (Lacombe Lucien , 1973), a paixão abrasadora entre a noiva e o pai do noivo em Perdas e Danos (1992, seu penúltimo filme), neste ainda tendo de volta a presença do incesto, entre irmã e irmão, só que o incesto não é mostrado, mas revelado pela irmã numa conversa dela com o amante e quase futuro sogro. E há ainda em Pretty Baby, 1978, sua estréia no cinema americano, a iniciação na prostitutuição de uma garota criada em um bordel, onde sua mãe trabalhava. Mas, atenção. Não se pense que Malle, no propósito de pôr o dedo na ferida, tivesse apenas em mente o desejo de passar a sua "mensagem", com o único objetivo de causar escândalo, de provocar polêmica. Não. Seus filmes eram bem realizados, demonstrando o conhecimento que ele possuía da técnica e da linguagem cinematográficas. Sem falar da sensibilidade e de uma certa delicadeza imprimidas à narrativa. Inesquecível, para citar um exemplo ao acaso, a antológica sequência em que o casal de Os Amantes passeia, de mãos dadas, em plena madrugada, na qual se aliam o lirismo, a magia e um quê de onirismo.
Se nunca realizou uma obra-prima (em dois ou três filmes raspou a trave), sempre manteve um nível de qualidade entre os mais de trinta filmes que dirigiu. Poucos os tropeços (Viva Maria. O Ladrão Aventureiro, A Baía do Ódio, até certo porto Perdas e Danos, mais um ou outro) . Louis Malle estudou Ciência Política na Sorbonne. Antes de experimentar a direção, foi assistente de Bresson. Morreu em 23.11.95, na Califórnia, onde residia deste os anos de 1970. Estava com 63 anos.
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