quarta-feira, dezembro 26, 2007

MELHORES FILMES VISTOS E REVISTOS EM 2007

Cena de "A Dália Negra".

Eis os filmes que mais me agradaram no ano que está se findando, obedecendo àqueles critérios de todo aquele que faz uma lista, principalmente o do gosto pessoal. Os filmes estão relacionados em ordem alfabética, tal como em 2006. Mas este ano, seguindo o exemplo de Moacy Cirne, resolvi, em meio a essa ordem, dar para os filmes as cotações de Excelente (***), Ótimo (**) e Especialmente Bom (*). É que alguns filmes por uma, ou algumas razões , levam uma superioridade sobre outros. Ei-los.

- O Alucinado (Buñuel/1953) **

- Ama-me Esta Noite (Mamoulian/1932) ***

- Bom Dia, Noite (Bellocchi/2003) **

- Brutalidade (Dassin/1947) *

- Cinema, Aspirinas e Urubus (Marcelo Gomes/2005) *

- A Dália Negra (De Palma/2006) ***

- Desde Que Otar Partiu (Julie Bertucelli/2003) **

- Estrela Solitária (Wenders/2006) *

- Flores do Amanhã (Zhang Yang/2005) ***

- Noites de Lua Cheia (Rohmer/1984) **

FILMES REVISTOS

- Chaga de Fogo (Wyler/1951) **

- Fahrenheit 451 (Truffaut/1966) **

- A Mulher do Tenente Francês (Karel Reisz/1981) *

- Nunca te Vi, Sempre te Amei (David Jones/1987) *

- Paixão dos Fortes (Ford/1946) ***

- Persona (Bergman/1966) ***

- Os Profissionais (Richard Brooks/1966) **

- A Regra do Jogo (Renoir/1939) ***

NOTA - Ontem, dia de Natal, fez 30 anos que morreu o gênio Charles Chaplin.

terça-feira, dezembro 18, 2007

TRAÍDOS PELO DESEJO (The Crying Game/1992)




Este texto foi publicado num jornal de Natal, na década de 1990. Republico-o aqui, após rever o filme em DVD, há poucos dias, pois continuo com a mesma impressão que tive dele quando o assisti no seu lançamento em vídeo.


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É possível perceber um distintivo temático em pelo menos dois filmes de Neil Jordan, este "Traídos pelo Desejo" e "Mona Lisa", de 1986. É o caso de duas pessoas, em posições diferentes, até mesmo antagônicas, na sociedade, as quais as circunstâncias obrigam a conviver juntas, mas que acabam por descobrir uma afinidade entre elas, da qual irá florescer uma grande amizade. E a preservação desse sentimento, artigo raro no mundo egoístico e insensível em que se vive, por parte de uma dessas pessoas não será mantida sem a exigência de sacrifícios, que envolvem até a própria sobrevivência. Assim acontece tanto com o motorista da prostituta de luxo do gângster ("Mona Lisa"), quanto com o guerrilheiro do IRA em "Traídos pelo Desejo". E é preciso salientar que é uma amizade entre pessoas sem a mesma identidade de cor.


Mas em "Traídos pelo Desejo" surge a presença de um terceiro, que irá concorrer para que a amizade entre o branco Jimmy Fergus (Stephen Rea) e o negro Jody (Forest Whitaker) permaneça mesmo depois da estúpida morte do segundo. No princípio a lembrança que Dil (Jaye Davidson) guarda do seu relacionamento com o soldado morto, conservando roupas e fotografias dele, faz com que Jimmy vacile em manifestar a atração que sente por ela, como se sentisse estar cometendo uma traição ao amigo. O retrato deste, vestido com o uniforme de corredor, é como se ele estivesse fisicamente na casa, impedindo o outro de consumar o desejo. Uma "presença" que se faz sentir até nos sonhos de Jimmy.


Quando Jimmy descobre a verdade identidade sexual de Dil, é assaltado por uma sucessão de sentimentos e reações, que vão da aversão, do desapontamento, da sensação de esbulho, até culuminar na amizade, inspirada na que existia (existe) entre os dois homens. A última visão que ele tem de Dil, antes de se entregar à polícia, é a de Dil caminhando pelo gramado, quase a mesma com que o soldado aparecia em seus sonhos.

Esse é um belo e poético filme e de uma ousadia que, no entanto, em nenhum momento resvala na grosseria ou na vulgaridade, por causa da delicadeza da direção e do roteiro, também de Jordan. Ao travestimento de Dil, ignorado apenas por Jimmy, não se ouve a mínima alusão entre os que participam da sua convivência, como se ele fosse encarado com naturalidade e mesmo com respeito. Interessante é que a reação daquele amante de Dil, quando é repelido, não se manifesta com agressões verbais, mesmo quando Dil atira pela janela as roupas e outros pertences dele.

Mas qualquer resenha sobre o filme não pode omitir a interpretação de Jaye Davidson. Não dá pra entender por que o Oscar de ator coadjuvante foi parar nas mãos de Gene Hackman, um ótimo ator, mas cujo papel em "Os Imperdoáveis" exige parcos recursos interpretativos. Ao contrário do papel de Dil, de grande complexidade, cheio de nuanças, com o qual Jaye Davidson diz ao que veio em sua estréia no cinema.
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NOTA ATUAL (1) - Ao que parece, Jaye Davidson desistiu da carreira de ator, pois fez apenas 2 filmes depois de "Traídos pelo Desejo", o último deles em 1995.
NOTA ATUAL (2) - A historinha do escorpião e da rã, narrada por Jody a Jimmy e por este a Dil (por coincidência, os narradores estão como prisioneiros) já tinha sido contada no filme "Grilhões do Passado", de Orson Welles (1955).

terça-feira, dezembro 11, 2007

PRAÇA DA BASÍLICA



Foto da Basílica de Canindé vista da praça, retirada de

http://www.paroquiadecaninde.com.br/

Eu me reunia todas as noites com os meus amigos na praça da Basílica, exceto quando ia à sessão do Cine Canindé, ou ficara em casa de "castigo" por alguma travessura que cometera. Sentados num banco, ou em mais de um, conforme o número de meninos, comentávamos, basicamente, sobre cinema e futebol. Falávamos dos nossos heróis da tela, o Durango Kid, Johnny Mac Brown (os irreverentes o chamavam de Johnny bate bronha), Roy Rogers e outros mais. Ríamos das palhaçadas dos "doidinhos", como eram conhecidos os atores cômicos daqueles faroestes. Cada mocinho tinha o seu "doidinho" e o mais popular era Smiley Burnette, que trabalhava com o Durango Kid. Era um pouco estrábico e usava o chapéu de uma maneira engraçada. Comentávamos os seriados e tentávamos descobrir como o mocinho iria se livrar do perigo no último episódio assistido. Ansiosos, roendo as unhas, aguardávamos a semana seguinte para saber como ele se safaria. No futebol torcíamos pelos quatro grandes do Rio, então capital do país. Os de maior torcida eram Flamengo e Vasco. Raros os que torciam pelo Botafogo e pelo Fluminense. Houve o caso do Francisco José, filho de Seu Edmundo, dentista da cidade. Conheci-o torcendo pelo Botafogo, mas de uma hora pra outra ele virou a casaca para o Vasco. As más linguas diziam que ele fora aliciado por um rapaz fanático pelo Vasco, em troca de uma bola. Não sei. Só sei que por um certo tempo ele se tornou uma persona non grata entre os torcedores do Bota e, principalmente, do Fla. Se quase nunca discutíamos quando o assunto era cinema, no futebol alguns chegavam quase às chamadas vias de fato em defesa do seu time. Muitas vezes deixávamos o banco e íamos apostar corrida ao redor da praça. Nem todos iam. Mas alguns, como eu, não dispensavam a corrida. E chegava em casa suado, cansado, mas satisfeito, porque quase sempre saía vencedor nas disputas.

Mas o tempo ia passando, fomos crescendo e começávamos a prestar atenção nas moças que circulavam pela praça, ou que ficavam num banco acompanhadas dos namorados. Uma noite estava com alguns amigos e perto do nosso banco um casal namorava. O rapaz era Luís Paiva, que morava numa fazenda perto da cidade, mas não me recordo da moça. Ficamos observando atentamente os dois. Os namoros daqueles tempos. Se bem me lembro, Luís estava com uma mão pousada no ombro da moça e a outra entrelaçada com uma mão dela. E um de nós disse algo assim: "quando eu começar a namorar, vou fazer igual ao Luís". Já nessa época tínhamos a companhia de adultos no banco, ou quando ficávamos em pé, numa das laterais da praça, vendo as moças darem voltas. E algum dos adultos soltava um galanteio para uma das moças ou comentava as formas anatômicas de algumas. Uma vez, estava num banco, veio à tona entre dois rapazes uma discussão sobre quem teria mais valor, o homem rico, ou o homem culto. Ah, foi uma discussão longa e nem um dos dois, como ocorre quando duas pessoas defendem uma questão, foi convencido pelo outro. Não satisfeitos com os próprios argumentos, recorriam a pessoas que passavam. Um deles foi um dos meus irmãos, que volteava com amigos. E o meu irmão ficou mais ou menos em cima do muro.

E havia as músicas do serviço de alto-falante. Eram sempre as mesmas, uma vez na vida , outra na morte, aparecia uma música nova. (Mas quando ouço qualquer daquelas músicas, tocadas toda noite, me vem a lembrança daqueles tempos, acompanhada de uma grande saudade.) E havia as mensagens musicais. "Alguém oferece a alguém"...

Não sei se já falei nisso, se falei, vou repetir. Meu pai estabelecia a hora de os filhos voltarem pra casa. Não podíamos passar das nove e meia. Já estudava em Fortaleza, usava o meu reloginho, quando uma noite participava de um animado papo na praça. Em dado momento, olhei o rosquofe: estava perto da hora fatal. Disse que ia embora, então o Pezim me perguntou por quê. Nunca soube o nome dele. Era chamado de Pezim, porque tinha um pé menor do que o outro e ainda com um defeito que o fazia andar mancando. Era mais velho do que eu, bem mais velho. E disse o motivo. Com a autoridade de uma pessoa mais velha, falou um pouco duro pra mim, que eu já era um rapaz, não podia mais me submeter a uma imposição daquela. Fiquei calado e ao mesmo tempo hesitante entre cumprir a exigência do meu pai ou desrespeitá-la. A conversa estava tão boa. E a hora se aproximava. Foi quando falou mais alto a autoridade paterna. Eu sabia que se passasse da hora, iria ser punido com a proibição de ficar uns dias sem ir para a praça da Basílica. E eu não podia passar sem a praça. Faltava pouco para as nove e meia, mas a minha casa não era longe. Deixei apressado os amigos, que devem ter me achado um babaca. Talvez, no entanto, os pais deles não fossem severos como o meu. Ao me aproximar de casa, avistei o "velho" encostado ao portãozinho, a mamãe na cadeira sobre a calçada, como fazia todas as noites. Ao me avistar, papai puxou o relógio do bolso do pijama. Olhei também o meu e vi que passava um pouquinho das nove e meia. Tive a certeza de que iria reclamar do atraso mínimo. Mas ele não disse nada, eu entrei, fui trocar de roupa e fiquei no meu quarto.

Praça da Basílica de Canindé. Uma "madeleine" da minha infância.

quarta-feira, dezembro 05, 2007

DESDE QUE OTAR PARTIU... (Depuis Qu' Otar Est Parti.../2003)




A francesa Julie Bertucelli demonstra talento na sua estréia no cinema (já tinha dirigido um filme para a tevê) neste "Desde Que Otar Partiu"..., uma produção franco-belga. Antes ela fora assistente de alguns diretores, como Bertrand Tavernier ("Um Sonho de Domingo") e Kielowski ("A Dupla Vida de Veronique", entre outros grandes filmes). E o seu pai Jean-Louis Bertucelli também é diretor. É com firmeza, mas sobretudo com sensibilidade e delicadeza, os silêncios, os gestos, as expressões faciais substituindo as palavras em certos momentos, que Julie Bertucelli narra essa história de três mulheres de gerações diferentes, a avó, a filha viúva e a neta, que moram juntas num apartamento em Tbilisi, capital da Geórgia, um dos países que integravam a União Soviética.
O Otar do título é filho da velha Eka (Esther Gorintin), que vive em Paris, para onde fora com o objetivo de seguir a carreira de médico, porém lá só consegue se manter no ofício de pedreiro. Embora sem aparecer, e isso já ocorreu em outros filmes, ele é um personagem importante. A sua presença se faz sentir nas cartas que manda para a mãe (às quais junta um dinheirinho) e por um eventual telefonema. E pela rivalidade que desperta na irmã Marina (Nino Khomasuridze) na disputa (que só está na cabeça dela) pelo amor da mãe, que claramente o prefere à filha.
O roteiro, co-escrito pela diretora, privilegia a participação da jovem Ada (Dinara Drukarova). Ela intervém nas constantes discussões entre a avó e a mãe, que, às vezes, são originadas por diferenças políticas, pois a velha Eka conserva a sua admiração por Stalin. Sem este, na visão dela, o seu país não estaria passando por problemas, inclusive de administração. Lê para a avó as cartas enviadas pelo filho e livros de autores franceses e faz-lhe massagens nos pés. É Ada que está em casa quando chega de Paris o amigo de Otar, com a mala deste, que contém os seus pertences. Sem ser vista pela avó, guarda a mala e quando a avó surge para ver quem é o visitante, ela, através de gestos, o faz entender que a velha não sabe da morte do filho.
Aliás, a parte mais significativa do roteiro é a decisão tomada por Marina de esconder da mãe a morte de Otar. Para isso, ela se dispõe a escrever as cartas que o irmão continuaria escrevendo se estivesse vivo. Essa atitude de Marina, no entanto, faz aflorar um sentido de ambiguidade, pois pode ter sido determinada não apenas pelo desejo de poupar a velha mãe da dor da perda do filho querido. E é justamente por Ada que o espectador é alertado para isso, quando a jovem acompanha Marina e o amante à casa de campo da avó. Num momento de raiva (não se sabe exatamente por quê), acusa Marina de ter em mente um objetivo na sua atitude: ao iludir Eka de que Otar continua vivo, ela pretenderia, na verdade, lutar para um dia conquistar o coração da mãe. Para Ada, com Otar morto, isso seria impossível.
Já perto do final a ação do filme se transfere para Paris, com a ida da três mulheres àquela cidade, determinada por Eka que quer visitar o filho. E, lá, o roteiro, que já era bom, evolui na qualidade. É quando a velha, sozinha, vai procurar o apartamento onde morava Otar. E ao saber de um vizinho que o filho está morto e recebe dele uma carta que destinara a Otar, descobre, então, toda a trama armada pela filha. É, talvez, o grande momento de "Desde Que Otar Partiu"... A velha fica um pouco sentada no topo da escada do apartamento, observando a porta vermelha do apartamento de Otar. Depois vai a uma praça, onde senta num banco. Em certo momento, retira do bolso a carta e é aí, talvez, que toma a decisão de participar também do jogo. Ou seja, o filho está vivo. E ao voltar para o hotel, diz à filha e à neta (preocupadas com a sua ausência) que fora visitar Otar, mas não o encontrou, pois ele fora embora para os Estados Unidos, em busca de melhores oportunidades de trabalho.
O filme termina com Ada (e só poderia terminar mesmo com ela) deixando o aeroporto de Paris. Resolvera ficar na França. É uma resolução súbita, impulsiva e inesperada, tomada quando, afastada da mãe e da avó, está numa livraria e ouve o aviso de embarque. Bem realizada a cena em que ela, através do vidro da sala de embarque, por meio de gestos, comunica a Eka e Marina a sua decisão. Não há falas por parte de ambas e há um pequeno afago de Eka em Marina, que não resiste às lágrimas. Nesse ato de Eka fica a esperança de que Marina possa vir, no futuro, a conquistar o coração da mãe. Ambas perderam os filhos, e esse fato poderá uni-las na dor e na saudade e fazer cessarem os desentendimentos, as discussões entre elas.
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Uma curiosidade. A atriz Esther Gorintin (georgiana, como os demais integrantes do elenco) estava com 89 anos durante as filmagens. E estreara no cinema há apenas 4 anos antes, portanto com 85 anos nas costas. E pelo que me informei, continua em atividade.