quarta-feira, janeiro 18, 2006

UMA INSÓLITA APARIÇÃO DE HITCHCOCK


Todo cinéfilo sabe do hábito de Hitchcock de aparecer em seus filmes. Um hábito que teve início ainda em 1926, com The Lodger. Quando o espectador se acostumou com a presença do rotundo diretor, aguardava-a talvez com a mesma ansiedade que a trama do filme causava nele. E quando ele surgia na tela. eram inevitáveis as risadas. Essa aparição nunca ocorria nos primeiros minutos. mas aí pelos quinze a vinte minutos, no máximo. Um grande diretor, Hitchcock tinha o olho esperto na bilheteria e sacava, como, talvez nenhum dos seus colegas, a "psicologia" dos que iam ao cinema para se divertir. Tinha a vocação para o marketing, numa época em que essa palavra ainda não existia. Sabia "vender" o seu produto.
Não sei se Hitchcock apareceu em todos os filmes, a partir da experiência inicial. É possível que sim. O cinéfilo, especialmente o hitchcockiano, deve se lembrar de muitos desses momentos. Alguns exemplos, ao acaso. Ele dando corda num relógio pousado sobre um móvel em Janela Indiscreta; entrando num trem com um violoncelo (ou contrabaixo) em Pacto Sinistro; conduzindo dois cachorros em Os Pássaros; no corredor de um hotel, em Marnie. E por aí vai.
Pelo visto, eram aparições fáceis de ocorrer. Mas quando ele foi rodar Um Barco e Nove Destinos (1943), a coisa se complicou. A trama do filme é toda desenvolvida dentro de um bote salva-vidas, onde nove sobreviventes de um navio torpedeado vão se refugiar. Hitchcock não podia aparecer, não haveria lugar para ele, a não ser que ele fosse um dos personagens. E como ele disse a Truffaut numa entrevista, ninguém aparece caminhando dentro do mar. Foram momentos dolorosos, confessa na mesma entrevista, pensando numa forma de participar do filme. De tanto pensar, surgiu a idéia. Na época ele passava por uma dieta rigorosíssima, cuja meta era perder nada menos do que 50 quilos. Ele não diz se o conseguiu, mas, sem dúvida, ficou bem menos gordo. Aí posou para uma foto no início do tratamento e para outra no final. Isso feito, fez estampar as fotos num velho jornal, como ilustração do anúncio de um medicamento usado para emagrecimento. Era um remédio fictício, ao qual ele batizou de "Reduco". O jornal foi pregado ao lado do barco. E num dado momento, um dos sobreviventes pega o jornal, desdobra-o e lá aparece, ao lado do anúncio ,as fotos de Hitchcock "antes" e "depois" de usar o remédio. E, assim, embora não fisicamente, o grande gordinho fez a sua costumeira aparição.
P.S. Outros diretores apareceraam em seus filmes, mas uma única vez. Três exemplos me vêm à memória. Buñuel em A Bela da Tarde, num café ao ar livre, na cena em que Catherine Deneuve encontra o viúvo, que a convida a ir à casa dele; Philippe de Broca em Brincando de Amor, na cena de uma festinha; e Huston em O Tesouro de Sierra Madre. Este aparece duas vezes, como o homem de terno branco a quem Bogart pede dinheiro.

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