domingo, janeiro 15, 2006

A REUNIÃO


A decisão de nosso chefe de marcar a reunião para sábado no Colégio Estadual desagradou a todos nós. Pelo local e mais ainda por ser um sábado, quando só pensamos em esquecer os cinco dias rotineiros que atravessamos. Mas o chefe não aceitou nossas ponderações e ainda nos comunicou que, a partir daquela data, as reuniões não mais se realizariam no nosso Setor. (Ele adora fazer o gênero ditador.) Concordamos com ele quando disse que o tempo gasto em reuniões seria melhor aproveitado no cumprimento das tarefas. Agora achar que, se reunindo fora do Setor, se evitaria que funcionários de outros Setores ficassem conhecendo os nossos problemas de serviço, é uma argumentação no mínimo risível. Tivemos que baixar a cabeça. De nada adiantaria falar com o subgerente, como alguém sugeriu. Íamos só gastar saliva e o homem podia não nos entender.
E no sábado fomos para o vetusto prédio do Colégio Estadual, chateados, mas fomos. Dei carona ao Heráclito, que estava com o carro na oficina. Fomos os últimos a chegar e não sabemos por que não levamos um pito do chefe. Ele pediu que o acompanhássemos à sala onde se daria a reunião. Eu e Heráclito ficamos na rabeira. Como um líder, nosso chefe ia à frente. Ia sem pressa, até muito vagaroso, o que nos surpreendeu, atrasados, como estávamos. E como passássemos pelo salão, onde estão expostos os quadros de formatura, achamos que disporíamos de tempo para procurar o da nossa turma. Não demoramos a achá-lo. Emocionados, recordamos alguns colegas, professores, os grandes momentos. E rimos de nossos retratos: a carranca, o cabelo glostorado, o paletó e a gravata imundos do fotógrafo, que serviram a milhares de formandos. Mas de repente nos entristecemos, ao nos revermos adolescentes, o jeitão sério apenas uma pose para fotografia de concluinte. Problemas, responsabilidades, compromissos - isso existia pra nós naquele tempo? Não tínhamos passado, no futuro não pensávamos, só o presente interessava. Acabamos arrependidos de remexer no passado. Enão, nos lembramos da reunião. Galgamos velozmente a escada que dá acesso às duas alas , que tanto percorremos em outra época. Lá no topo o coração em tempo de pular da boca. Éramos dois velhos - comentei para o Heráclito.
Ficamos parados até recobrar o fôlego. Foi quando nos demos conta de que não sabíamos da sala, onde se daria a reunião. O Heráclito, sempre prestativo, queria se informar na secretaria e na diretoria, mas lhe lembrei de que não iria encontrar ninguém num dia sem aula. A solução era cada um de nós tomar uma ala e percorrer todas as salas. Aquele que localizasse a sala, gritaria pelo outro. Entrei em cada uma das salas, minhas velhas conhecidas, sem perder a esperança de na sala seguinte encontrar os colegas reunidos. Mas em todas apenas as carteiras encardidas (vazias). E não ouvi o grito de Heráclito. Nos reencontramos no topo da escada, cansados, desapontados. Mas o meu amigo teve uma boa idéia: descermos para a secretaria e a diretoria. Conhecendo o nosso chefe, achávamos que ele tinha escolhido uma das salas - talvez a do Diretor. Fomos primeiro para esta e, ao nos aproximarmos, ouvimos vozes. Na mosca. Como conhecíamos o nosso chefe! Entramos à toda, levamos um bruto susto: em vez dos colegas, demos com um grupo de escoteiros. À mesa, o chefe dos garotos parou de falar quando invadimos a sala com um com licença, chefe. Desejando que naquele momento o chão se abrisse e nos tragasse, balbuciamos uma desculpa e saímos. Desanimados. fomos ainda à secretaria - fechada.
Até pegarmos o carro e durante todo o trajeto, não soltamos uma palavra. De vez em quando nos olhávamos, lendo no rosto a certeza de termos desperdiçado o nosso fim de semana. Nada nos iria distrair da ídéia de começarmos a segunda-feira com uma reprimenda do nosso chefe.
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Conto extraído do meu livro Não Enterrarei os Meus Mortos (1980)

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