domingo, janeiro 22, 2006

QUEM SABE? (Va Savoir, 200l)


A proposta desse filme de Jacques Rivette me parece bastante clara: promover uma interação entre teatro e realidade. A encenação de uma peça de Pirandello em Paris, realizada por uma companhia teatral italiana, em excursão pela Europa, corre paralela às situações vividas por um casal de atores. Os dois perseguem um objetivo diferente, ao deixarem o palco. O de Camille (Jeanne Balibar) é reencontrar Pierre (Jacques Bonnafé), de quem se separara há três anos, quando partira para a Itália. O de Ugo (Sergio Castellitto), que acumula as funções de diretor e de ator, é descobrir o manuscrito de uma peça escrita pelo teatrólogo italiano Carlo Goldoni, que viveu no século 18. O texto nunca foi encenado e fora dado pelo autor, quando morava em Paris, a um amigo. Na busca de seus objetivos, Ugo e Camille irão conviver com mais três pessoas, além de Pierre: a atual amante deste, Sonia (Marianne Basler), Dominique (Hélène de Fongerolles) e Arthur (Bruno Todeschini), irmão de Dominique.
Na reunião desse sexteto afloram sentimentos, atitudes, situações que fazem a "vida real" deles ir adquirindo a feição de personagens de uma peça, que tanto pode ser a de Pirandello, como a de Goldoni, que é descoberta, por acaso, não por Ugo, mas por Dominique, misturada a livros de receitas de bolo. Ugo se sente fortemente atraído por Dominique, a quem conheceu numa biblioteca pública, e em cuja casa existe uma vasta biblioteca; mas Dominique demonstra um comportamento ambíguo em relação ao interesse dele por ela. É ambíguo também o comportamento de Camille, tanto com Pierre (que confessa que ainda a ama), quanto com Ugo. E Sonia tem um relacionamento com Arthur, um mau-caráter, que rouba livros da biblioteca de sua casa e um anel de brilhante de Sonia. Aliás, o roubo do anel e a sua recuperação por Camille (depois de uma noite de amor com Arthur, que também se sente atraído por ela), parecem (propositadamente) inverossímeis. E à medida que a história (real) avança, cada vez mais vai adquirindo a forma de um texto teatral, o qual, ao chegar o final do filme, se instala de vez. A casa de Madame Deprez, mãe de Arthur e Dominique, se transforma num palco, ao qual sobe Sonia, vindo da platéia. Ao encontrar Camille, lhe dá um tapa "teatral", um desejo que ela acalentava há muito tempo, mas num instante se reconcilia com a outra. A última imagem é a de Ugo dançando com Camille e Dominique com Arthur. E assim como começou, é num palco que o filme termina.
Rivette dirige Quem Sabe? com elegância e um certa leveza, ainda que imprima um ritmo lento à narrativa. Fez mais um belo filme, provando que o melhor do cinema francês, em que pese o surgimento de alguns talentos, como Patrice Leconte, continua sendo feito por ele e alguns companheiros da Nouvelle Vague.

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