domingo, agosto 27, 2006

VELHO REALEJO


O caso é verídico, me foi contado por um amigo. Ocorreu, recentemente, no lançamento de um livro. Uma grande quantidade de pessoas ali presentes, o autor é muito conceituado em Natal pela competência profissional e a cultura literária. Até o Prefeito estava lá. O editor do livro contratara um violonista, para animar mais o evento. As músicas executadas eram de boa qualidade. Tudo ia correndo bem, o burburinho de vozes das pessoas estimuladas pelo vinho, aqui e ali umas risadas. É assim nos lançamentos de livros. Tudo, pois, corria bem. Até que a rotina desses eventos foi, de repente, alterada. Na longa fila de espera para receber o autógrafo do escritor, estava um casal aí pela casa dos sessenta. Eles estavam calados, como, em geral, ocorre com os casais que vivem há muitos anos, que quase não têm mais o que conversar. Nenhum amigo, ou conhecido, perto deles, para lhes fazer soltar a língua. E aí aconteceu. O violonista começa a tocar uma música antiga. Uma valsa. Então, de súbito, a senhora deixa o seu lugar e se dirige ao músico. Ao chegar a ele, lhe pede que pare de tocar a música. Como se não ouvisse o apelo da mulher, ou não lhe desse atenção (o meu amigo opta pela segunda alternativa) , o violonista segue tocando. A mulher insiste no pedido. Nada. Ela está muito alterada, parece que vai logo cair num pranto. Aí o marido, que acompanhava a cena, sai do seu posto e, chegando ao músico, lhe diz: "Por favor, moço, pare essa música. A minha senhora tem um trauma por causa dessa música". Só então o violonista atende o pedido e emenda outra música. O homem agradece e, pousando a mão no ombro da esposa, volta com ela para a fila. Sob os olhares curiosos e atentos dos presentes. E o lançamento voltla à normalidade. Suponho que alguém que me esteja lendo queira saber qual era a música. Pois bem. É a valsa "Velho Realejo", composta por Custódio Mesquita e Sady Cabral, lançada em 1940 na voz do grqnde Sílvio Caldas. E, para quem se interessar, publico a letra a seguir.
"Naquele bairro afastado
Onde em criança vivias
A remoer melodias
De uma ternura sem par
Passava todas as tardes
Um realejo risonho
Passava como num sonho
Um realejo a cantar.
Depois tu partiste
Ficou triste
A rua deserta.
Na tarde fria e calma
Ouço ainda o realejo a tocar;
Ficou a saudade
Comigo a morar.
Tu cantas alegre e o realejo
Parece que chora
Com pena de ti".
OS 70 ANOS DE "ANGÚSTIA"
Soube ontem, lendo o site da Folha, ou do Estadão, que este agosto assinala os 70 anos do lançamento de "Angústia". Para comemorar a data, a Editora Record está relançando esse terceiro romance de Graciliano Ramos. Nada mais justo. É um grande livro. Mas gosto menos dele do que de "São Bernardo" e de "Vidas Secas". Deste último me agrada, principalmente, o estilo, a linguagem, que se adequam perfeitamente à temática. ´Graciliano, aliás, não gostava de "Angústia", chegando a classificá-lo de "um livro infeliz" num trecho de "Memórias do Cárcere". Ele achava que o livro continha alguns defeitos que ele não teve tempo de eliminar, porque foi preso antes de os originais serem enviados à editora. Por sinal que o crítico Antônio Cândido" vê algumas gorduras em "Angústia", conforme diz no brilhante ensaio que faz na edição do livro pela extinta Livraria Martins Editora. Com alguns defeitos ou não, é um grande livro. Mas, repito, prefiro "São Bernardo" e "Vidas Secas".

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