quarta-feira, agosto 23, 2006

O NOVO MUNDO (The New World/2005)


Terrence Malick parece ter do cinema a mesma visão que tinha o seu colega Albert Lewin ("O Retrato de Dorian Gray", "Os Amores de Pandora") : das outras artes é o cinema a que mais se aproxima da pintura. Em "O Novo Mundo", lançado em DVD três meses após ser exibido nos cinemas, como já ocorrera em "Cinzas no Paraíso", há uma profusão de imagens de uma beleza plástica, as quais em alguns momentos nos dão a sensação de estarmos diante de uma tela de um pintor. (Aliás, essa ligação do cinema com a pintura pode ser observada até por este pequeno detalhe: o objeto através do qual a obra pictórica e a obra cinematográfica são veiculadas tem o mesmo nome de tela.) No entanto, com a lucidez de quem entende, antes de tudo , estar fazendo cinema, Malick não deixa que a beleza imagística (que pode ser admirada mesmo nas limitações da tela pequena) se sobreponha à narrativa e à "mensagem" que quer passar. E fica bem caracterizada, em "O Novo Mundo", a tensão entre o estrangeiro (representado pelos ingleses) e o nativo americano, na Virgínia dos primeiros anos do século XVII. Uma tensão da qual não escapa nem mesmo o amor entre o Capitão Smith (Colin Farrell) e a índia (Q'Oranka Kilchen). Embora Smith seja o único da expedição a ter consciência da diferença de princípios entre os exploradores e os nativos, ele próprio se recrimina por a índia, na sua pureza e no amor que lhe dedica, não suspeitar que ele é o mesmo homem que sempre foi. Esse contato de Smith com a índia e com aquela terra virgem o leva até a pensar que o que está vivendo não é uma realidade, mas um sonho.
A narrativa de "O Novo Mundo" privilegia o tratamento na primeira pessoa. Ora ela é feita por Smith, ora pela índia, e ainda por John Rolfe (Christian Bale) , com quem ela se casa quando é informada da morte (falsa) de Smith, que regressa à Inglaterra a chamado do Rei para comandar uma expedição às Índias. Já antes do casamento, a nativa se transforma (ou melhor, é transformada) numa "inglesa", sob a orientação de uma mulher da Corte. Até o seu nome é mudado para Rebeca. E nessa transformação fica explícito o poder do colonizador. Por sinal, num pequeno detalhe se vê como a nativa é também colonizada, não apenas na mudança do nome, do vestuário, da maneira de andar, do comportamento. É quando, já cortejada por Rolfe, baixa o vestido que deixa aparecer um pouco da coxa, o que não ocorria na sua relação com Smith, quando ela não se preocupava em esconder partes do corpo.
E se o filme tem parantesco com a pintura, também não lhe faltam momentos de poesia, captadas pelas próprias imagens. E nas brincadeiras entre os dois jovens enamorados, brincadeiras que Rebeca repete com o filme, infiltram-se momentos de ternura.
Belo, poético, delicado algumas vezes, "O Novo Mundo" é mais um triunfo desse diretor que filma tão pouco (quatro títulos em mais de 20 anos de carreira) . Uma pena, numa época em que não são muitos os cineastas com o seu talento. Para finalizar, por uma questão de justiça, não poderia omitir o nome do fotógrafo: Emmanuel Lubezki, que fez um trabalho tão bom quanto o de Nestor Almendros em "Cinzas no Paraíso".
UMA NOTA SOBRE "O LIBERTINO"
Sem um mínimo da beleza visual de "O Novo Mundo", "O Libertino" , ora em exibição no Praia Shopping, é um filme de um forte impacto em seu conteúdo. O primeiro filme de Laurence Dunmore provoca, instiga o espectador, não o deixa indiferente e desinteressado, com um bom roteiro e uma forte interpretação de Johnny Deep no papel do Conde de Rochester. Muito interessante a relação ambivalente entre ele e o Rei Charles II (vivido por um John Malkovich até certo ponto discreto) . O diretor demonstra familiaridade com o cinema, em duas cenas em que utiliza um alucinante travelling. Pela estréia, é um nome a ser observado nas próximas realizações.

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