quarta-feira, agosto 20, 2008

NUNCA TE VI... SEMPRE TE AMEI (84 Charing Cross Road/1987)


Relevemos a intenção do apelo comercial percebível no título em português. E assistamos ao filme desarmados desse aspecto que objetiva o interesse do espectador brasileiro. Isso feito, o espectador irá se deparar com um filme delicado, terno e agradável, enfim um filme que já no seu lançamento se diferençava da esmagadora maioria dos realizados pelo cinema americano. Imagine hoje, quando já se passaram mais de vinte anos.
O título original refere-se ao endereço, em Londres, de uma livraria especializada em obras antigas e raras, à qual a leitora de roteiros para a televisão Helene Hanff (a excelente Anne Bancroft, que, infelizmente, já não está entre nós), residente em Nova York, se dirige para adquirir alguns dos livros que não consegue encontrar em sua cidade. É uma correspondência que atravessa duas décadas, trocada entre ela e o funcionário mais graduado da livraria, Frank Doel (Anthony Hopkins, outro grande intérprete), e esse longo contato epistolar faz aflorar uma amizade entre os dois que vai se convertendo num interesse amoroso. Este, no entanto, é insinuado, jamais declarado por nenhum dos correspondentes. Da parte de Frank, quando mostra algo diferente na expressão contemplativa do rosto em um ou outro momento. Já Helene, em uma ou duas ocasiões, é vista fitando o retrato emoldurado de um homem com um uniforme da marinha, que se supõe seja o seu marido, mas não há nenhuma fala no filme que informe a sua condição de viúva ou divorciada. Aliás, no livro não há nenhuma menção ao seu estado civil, igualmente no livro "A Duquesa de Bloomsbury", que é um relato da estada de Helene Hanff na Inglaterra, os dois formando um só volume na edição brasileira, o que nos leva a crer que Helene era solteira. A presença da foto do homem, assim, seria uma situação armada pelo roteiro para também insinuar de alguma forma o interesse dela por Frank.
Mas o que o filme destaca mesmo é o amor pelo livro, através de Helene, uma voraz leitora. Com ela, sentimos o que um livro representa para o amante da leitura, o seu prazer diante de um exemplar, até tátil, na maneira de tê-lo entre as mãos, "acariciando" a capa e as folhas, como se se tratasse de uma jóia (o que não deixa de sê-lo, principalmente se raro). E sem cometer uma impropriedade, pode-se dizer que esse amor ao livro se estende também até a Frank, mesmo sendo ele um profissional.
Essa Helene Hanff existiu de fato e a correspondência mantida com Frank Doel foi por ela reunida em um livro de sucesso, que tem o mesmo título do filme e é dedicado a ele. Anne Bancroft foi uma das inúmeras pessoas que se comoveram com o livro e pediu a Mel Brooks, seu então marido, dono de uma produtora, que o transpusesse para o cinema.
"Nunca te Vi... Sempre te Amei" se inicia com Helene a bordo de um avião, com destino a Londres. Nas cenas seguintes a vemos num táxi, rumando para a livraria, que já fechara as portas. (Aliás, durante a realização do filme, uma loja de discos ocupava o local da livraria e, por isso, esta foi recriada em estúdio.) A câmera capta a expressão de prazer e de alegria de Helene ao se deparar com alguns locais que vira através de filmes, um desses o maravilhoso "Desencanto", de David Lean. E termina na livraria, na qual ela entra, e pôe-se a observar os lugares vazios outrora povoados de livros, as mesas onde se sentaram o "seu" Frank, falecido no ano em que a correspondência entre eles atingia os vinte anos, e os demais funcionários. E após inspecionar o local, que desejava conhecer em atividade, Helene diz com um meio-sorriso que, na verdade, expressa um misto de tristeza, saudade, frustração: "Aqui estou, Frankie. Finalmente".
Já estou no final e vejo que ainda não disse o nome do diretor: David Jones, um inglês, também ligado ao teatro, e esse é o seu segundo filme. Nem o do roteirista, Hugh Whitemore, que fez um roteiro muito bom, que Jones soube valorizar com talento e sensibilidade.

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