quarta-feira, maio 14, 2008

MEUS PRIMEIROS ANOS EM NATAL

Cheguei a Natal em 30 de julho de 1965. Acho que não exagero em dizer que a capital do Rio Grande do Norte era uma cidade grande do interior, com uma população estimada em 207.000 habitantes, segundo me informa um amigo que trabalha no IBGE. As famílias ainda se reuniam nas calçadas de suas residências à noite, não havia um só canal de televisão (a Tupi chegava através de uma retransmissora de Recife, numa imagem de má qualidade), o quarteirão da João Pessoa, em uma parte da área no centro chamada de O Grande Ponto, era povoado de pessoas formadas em grupinhos falando de tudo, especialmente da vida alheia. Localizada na Av. Rio Branco, a principal da cidade, a "Sempre Alerta", a única banca de revista que vendia jornais do Rio. Um grupinho de rapazes, geralmente os mesmos, ficavam à noite em frente a ela discutindo futebol. Me lembro de um tipo baixinho, feinho, muito engraçado, que torcia pelo Vasco. Pouquíssimos os edifícios. Cinemas havia 5: Nordeste, Rex, Rio Grande, no centro, o Poti, não longe do centro, podendo-se chegar a ele caminhando, e o São Luís, no Alecrim. (O Poti se diferençava dos demais por exibir apenas reprises. Foi lá que vi "Os Amores de Pandora", com Ava Gardner no esplendor de sua beleza, e James Mason, o primeiro na minha lista de atores preferidos.) Em 1966, ou 67, foi inaugurado o Panorama, no bairro das Rocas. Mais longe do centro, o acesso a ele tinha que se dar através de um meio de transporte (no meu caso e dos meus amigos, por ônibus). No Rex, nas manhãs de sábado, era apresentado o filme promovido pelo Cineclube Tirol, sessão chamada de Cinema de Arte. O primeiro filme que vi no Cinema de Arte foi "O Médico e o Monstro", a segunda versão adaptada para o cinema do livro de Stevenson, dirigida por Victor Fleming, inferior à primeira, de Rouben Mamoulian, com Fredric March.
Não demorou muito e a sessão foi transferida para o Nordeste, ainda nos sábados. Se não estou enganado, só no ano seguinte ela passou de vez para os domingos. As reuniões dos sócios do Cineclube Tirol estavam condicionadas ao dia daquelas sessões, ou seja, aos domingos pela manhã, quando aqui cheguei, e depois aos sábados à noite. Já informei como eram essas reuniões em um texto aqui publicado sobre o Cineclube Tirol.
Logo nas primeiras sessões no Nordeste, pela metade, mais ou menos, de "Abismo de um Sonho", de Fellini, a energia pifou. Como o cinema não dispunha de um gerador de energia, os espectadores foram se acotovelar na sala de espera, aguardando o restabelecimento dela. Quando fomos informados de que isso não ocorreria tão cedo, a sessão foi suspensa. E assim quem ali estava naquele dia, só iria ver integralmente o primeiro filme solo de Fellini há uns 5, 6 anos, quando ele foi lançado em DVD.
Na pequenina praça Kennedy, vizinha ao Nordeste, havia uns blocos de pedra superpostos, que eram chamadas de "cocadas". Nunca descobri o autor, ou autores dessa denominação, que se popularizou ao ponto de aquele logradouro ser conhecido por praça das cocadas. Lá me juntava a amigos e conhecidos (alguns eram companheiros de cineclubismo) nas noites em que não ia ao cinema. Embora os temas principais fossem cinema e literatura, falávamos de outros assuntos, inclusive de política, mas com cautela, pois o país vivia sob uma ditadura militar.
Quando o Cinema de Arte passou para os domingos, era certo o encontro com amigos e conhecidos na Livraria Universitária (a melhor e, praticamente, a única de Natal na época), conversando e vendo as mulheres passar. Lá para as onze horas, muitos de nós procurávamos os bares, onde permanecíamos por um bom tempo. Nos domingos à tarde havia a pelada na praia do Forte, basicamente jogada por sócios do Cineclube, aos quais se acrescentavam uns poucos rapazes. Depois da pelada, o banho de mar. Com o passar do tempo, alguns foram se desinteressando desse saudável divertimento, preferindo a cervejinha depois do Cinema de Arte, para falar do filme exibido, até chegar o dia em que o joguinho e o banho de mar foram abolidos.
Não só inevitável, como indispensável, o progresso trouxe muitos benefícios para Natal, inclusive na área cultural. Em contrapartida, há o preço a se pagar ao progresso. A cidade está atulhada de edifícios, de shoppings, tem problemas graves de segurança e de trânsito, pela quantidade excessiva de veículos, desproporcional ao número de habitantes (em torno de 800.000), dirigidos por um monte de estressados e mal-educados.
E não restou um só cinema de rua.

2 comentários:

mundo azul disse...

Lendo o seu texto, lembrei da pequena cidade onde nasci...Íamos todos os domingos à tarde, aos matinés...Filmes épicos e do Tarzan eram os nossos preferidos.
Gostei de ler o que você escreveu...Consegue colocar o leitor dentro da história!
Beijos e muita luz..._Zélia.

Anônimo disse...

Gostaria de saber se Roberto Carlos esta va na inauguração do cine Panorama em natal, estou pequisando isto e não consigo encontrar, vc poderia me ajudar