Este trevo foi concedido a este blogue por uma gentileza do amigo "Eremita", como se assina o editor do blogue eremitério, pela qual sou muito grato.
Há pouco tempo remexendo em meus discos de vinil, para escolher alguns que queria passar para CD, me deparei com um de Sidney Miller, gravado na Elenco em 1967, cujo título era o próprio nome do compositor. De imediato o separei, para levar com outros ao técnico. Tantos e tantos anos não ouvia esse disco, que nem me lembrava que ele fazia parte do meu acervo. Bem recebido pela crítica, foi o primeiro dos apenas três elepês que ele gravou até morrer em 1980, com apenas 35 anos.
Nascido em 18 de abril de 1945, Sidney Miller foi mais um dos grandes talentos que surgiram na década de 1960, para revitalizar a MPB, após o esvaziamento da Bossa Nova. Como Chico, Caetano, Gil, Edu Lobo, Milton Nascimento, entre outros num nível um pouco abaixo.
Esse disco reúne músicas de grande qualidade, como O Circo, Passa, Passa, Gavião, Marré-De-Cy, Meu Violão, Pede Passagem, A Estrada e o Violeiro e Menina da Agulha. Todas as músicas são interpretadas pelo compositor, sendo que na duas últimas citadas há a participação de Nara Leão, formando um dueto com ele. Vale salientar que A Estrada e o Violeiro ganhou o prêmio de melhor letra no 3o. Festival da Record. (Era a época dos festivais de música popular, promovidos por aquela emissora de televisão, os quais, além de divulgarem o lançamento de autênticas pérolas musicais, serviram ainda como uma espécie de trincheira contra a ditadura militar.)
Num pequeno artigo sobre Sidney Miller no saite Revista Música Brasileira, os autores Fernando Toledo e Áurea Alves observam que "Sidney não era um iconoclasta como Caetano: em termos de música, estaria mais próximo de Chico, fazendo uma ponte entre um novo olhar e a herança musical e poética em seu sangue". De fato, há uma certa semelhança entre os dois, que é mais percebível nos sambas e choros de Sidney. Chico poderá ter mais talento, mas, pelo menos na qualidade da voz, é superado pelo colega e quase coetâneo (há apenas a diferença de um ano entre eles.)
Sidney também compôs para o teatro e o cinema. Suas músicas foram interpretadas por, entre outros, Nara Leão, Clara Nunes, Quarteto em Cy, Caetano, Paulinho da Viola e Dóris Monteiro. É lamentável que tenha morrido jovem, quando ainda tinha tanto a contribuir para a nossa música. E o mais lamentável é que tenha morrido por vontade própria. Por motivos que permanecem obscuros, Sidney Álvaro Miller Filho se matou em 16 de julho de 1980. Repetiu o gesto de Assis Valente, autor do clássico Boas Festas, e de Torquato Neto, seu contemporâneo daquele período de trevas em nosso páis.
A seguir, uma pequena amostra do seu talento: a letra de O Circo, a sua melhor música na minha opinião, pelo menos entre as que conheço dele.
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Vai, vai, vai começar a brincadeira
Tem charanga tocando a noite inteira
Vem, vem, vem ver o circo de verdade
Tem, tem, tem brincadeira e qualidade.
Corre, corre, minha gente
Que é preciso ser esperto
Vai melhor quem vai na frente
Vê melhor quem vê de perto
Mas no meio da folia
Noite alta, céu aberto
Sopra o vento que protesta
Cai no teto, rompe a lona
Pra que a lua de carona
Também possa ver a festa.
Vai, vai, vai, etc.
Bem me lembro o trapezista
Que mortal era o seu salto
Navegando lá no alto
Parecia de brinquedo
Mas fazia tanto medo
Que o Zezinho do trombone
De renome consagrado
Esquecia o próprio nome
E abraçava o microfone
Pra tocar o seu dobrado.
Vai, vai, vai, etc.
Faço versos pro palhaço
Que na vida já foi tudo
Foi soldado, seresteiro
Carpinteiro, vagabundo
Sem juiz e sem juízo
Fez feliz a todo mundo
Mas no fundo não sabia
Que em seu rosto coloria
Todo o encanto do sorriso
Que seu povo não sorria.
Vai, vai, vai, etc.
De chicote e cara feia
Domador fica mais forte
Meia-volta, volta e meia
Meia-vida, meia-morte
Terminado o seu batente
De repente a fera some
Domador que era valente
Noutras feras se consome
Seu amor indiferente
Sua vida e sua fome.
Vai, vai, vai, etc.
Fala o fole da sanfona
Fala a flauta pequenina
Que o melhor vai vir agora
Que desponta a bailarina
Que seu porte é de senhora
Que seu rosto é de menina
Quem chorava já não chora
Quem cantava desafina
Porque a dança só termina
Quando a noite for embora.
Vai, vai, vai terminar a brincadeira
Que a charanga tocou a noite inteira
Morre o circo, renasce na lembrança
Foi-se embora e eu ainda era criança.
4 comentários:
Muito bem lembrado!! Grande Sidney Miller...e que linda canção.
"vai vai vai começar a brincadeira(...)" Realmente adorável.
Aqui no Rio tem uma sala de concertos da Funarte que se chama Sidney Miller.
Post muito bem lembrado...os blogs também existem pro registro da cultura imaterial, entre outras coisas mais.
Beijo pra vc.
Querido amigo, blogueiro como eu, não desanimes em registrar no seu blog...às vezes o corre corre da vida não ajuda, mas quando avançamos um espaço é "sempre pra frente" que temos que ir.
Força, Saúde e Sorte pra vc.
Meu estimado amigo: ando um pouco afastada mas não me esqueço de visitar sua casota onde me sinto tão bem e sempre aprendo algo. Vou daqui sempre mais rica. É u mprzer ficar por aqui lendo duas prosas e versos, suas lembranças e homenagens.
Um abraço forte
Você sempre tem que encontrar lugares para escrever, eu espero que eu possa ser capaz de escrever enquanto eu relaxar em minhas férias se eu posso alugar um apartamento
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