domingo, maio 06, 2007

MARIA DA COMADRE MILA


Pequenininha, mais para gorda do que para magra, quando a conheci devia estar perto dos sessenta anos. Talvez, até, já os tivesse inteirado. Maria da Comadre Mila. Como não me lembro de, fora a minha mãe, ninguém chamá-la assim, é evidente que essa Mila (que não conheci) e mamãe eram comadres. Também não me lembro do tipo parentesco entre Maria e Mila.
Maria aparecia com certa frequência lá em casa e com uma pontualidade, que não direi britânica, porque não sei se os britânicos ainda conservam esse hábito admirável, tanto as coisas mudaram por lá (até reality show já se faz na Inglaterra). Era perto do horário do almoço. Maria, então, ia ficando, ficando, conversando até que o papai, vindo da loja, mandava botar "a xepa" e ela ia nos fazer companhia à mesa. Às vezes, ela pedia pra tomar banho. E quando saía do banheiro, o calor tendo sumido temporariamente do corpo, dizia invariavelmente: "Pronto. Agora estou fresquinha". Numa dessas ocasiões, o papai, mais por brincadeira, a advertiu: "Não diga isso não, Maria". (Aqui no Nordeste, hoje já não usado como naquele tempo, "fresco" é um dos incontáveis nomes populares pelos quais é chamado o homossexual.) Papai gostava de "mexer" com ele, nos dias em que ele estava de bom humor.
Já a mamãe... Sempre tive a impressão de que a mamãe apenas lhe tolerava a presença E tolerava creio que em memória à "comadre Mila". Não era com uma expressão satisfeita que acolhia as visitas de Maria. Talvez pela assiduidade delas. E uma vez fui testemunha de uma descompostura que ela deu em Maria. Foi quando esta foi falar mal do Padre Cícero, baseada numa história que ouvira de alguém. Ora, minha mãe, como toda pessoa de Juazeiro do Norte, venerava o Padre Cícero. Chegou, inclusive, a conhecê-lo. Falar mal do "meu padim Ciço" a um juazeirense é pedir pra levar uma bordoada verbal. (E sei lá se não física). Depois dessa lição, a coitada nunca mais mais mencionou o nome do santo de Juazeiro.
Não me lembro de quando Maria morreu e de quê. Pode ter sido de velhice. E ainda hoje parece que estou vendo aquela mulher quase anã, chegando à nossa casa perto do almoço, conversando e conversando e conversando, aguardando a hora de comer com a gente.
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CAVALO NA RUA
O que fazia aquele cavalo na rua, no feriado de primeiro de maio? De onde fugira ele? Já perto das onze horas, fui à janela do meu quarto e o avistei trotando pela rua, até parar junto a um canteiro. Subiu no canteiro e se chegou às plantas. Um ou outro carro passava perto dele. Parecia indiferente àquela presença ruidosa, estranha ao seu meio, continuava, tranquilo, abocanhando as plantas Fiquei observando-o por mais de cinco minutos. Deixei a janela, fui me banhar, e quando voltei, ele não estava mais lá. Deve ter se sentido satisfeito. Mas me ficou a pergunta. O que fazia aquele cavalo na rua? De onde tinha fugido? E o dia ocioso se arrastava.

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