sábado, janeiro 20, 2007

PERDAS E DANOS (DAMAGE/1992)

Esta semana revi Perdas e Danos, de Louis Malle, em DVD. A minha impressão sobre o filme manteve-se inalterada, desde que o vi em vídeo há mais de 10 anos. Em vista disso, divilgo aqui o comentário escrito sobre ele num jornal local, naquela ocasião. Ei-lo, com pequeninas alterações.
Não é difícil, para quem acompanha a carreira de Louis Malle, descobrir o que o atraiu no livro de Josephine Hart. A paixão de um homem de meia-idade (Jeremy Irons), ministro do governo inglês, pela noiva do filho, é uma verdadeira caixa de marimbondos em que ele já mostrou, ao longo de sua filmografia, gostar de mexer. Malle sempre revelou uma queda para o ousado, o polêmico, o chocante, desde Os Amantes , quando, no distante ano de 1958, mostrou uma variante do ato sexual, salvo engano pela primeira vez no cinema, que escandalizou o puritanismo da época.
Em Perdas e Danos , subjacente ao tema da paixão entre sogro e nora, há o do incesto, velho conhecido do cineasta, que o abordou em Sopro do Coração (1970), daquela vez entre a mãe e o filho adolescente. Agora a relação é entre Anna Barton e o irmão, de que o espectador toma conhecimento pelo relato que ela faz a Stephen, o sogro. A propósito de Anna Barton, ela me parece o personagem mais interessante do filme. Trata-se de uma mulher, que, contra a sua vontade, leva à destruição ou à morte os homens que se sentem atraídos por ela. Uma espécie de viúva-negra, o que no filme é reforçado pela sua preferência pela cor preta no uso do vestuário. Ninguém mais ideal do que ela para representar o incognoscível na natureza humana, com a aparência frágil, o jeito calmo e sereno e o rosto triste e cândido. E nenhuma outra atriz poderia representar esse personagem como Juliette Binoche.
Mas no personagem de Stephen, também nele, existe um lado secreto, ocultado por trás da aparência externa. Coabitando com aquele homem frio, seco, formal, há um outro que se revela quando ele não consegue resistir a paixão pela nora. É preciso que o filho morra (o filho que reclama uma vez do temperamento do pai), para que ele libere esse lado escuro de sua personalidade (a cena em que Stephen, despido, desce as escadas ao encontro do filho morto, possui uma clara conotação simbólica).
Eu não gostaria de num filme que oferece tantas coisas boas ao espectador, a começar pelo elenco (embora me pareça equivocada a escolha de Miranda Richardson , apenas por sem jovem demais para fazer a mãe de Martyn/Rupert Graves), precisar apontar alguns defeitos, mas, infelizmente, não me resta outra alternativa. É pena que o roteiro tivesse que recorrer a certas "facilidades", com o endosso da direção, para aliciar o espectador menos exigente, fazendo com que se torne previsível a ação de personagens. Como exemplos: a ênfase com que a câmera focaliza o rosto perscrutador da filha adolescente de Stephen, e o close da chave esquecida no lado de fora da porta do apartamento de Anna, quando Stephen vai ao encontro dela e , em seguida, Martyn. No primeiro caso, o espectador é levado à expectativa de que será a garota a primeira pessoa a desconfiar daquela relação secreta; no segundo, de que Martyn chegará ao apartamento da noiva. São defeitos que, se não chegam a prejudicar o filme, retiram-lhe um pouco da força criativa.

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