domingo, novembro 05, 2006

UM ENCONTRO DE CAPOTE COM BRANDO


Há poucos dias reli "Os Cães Ladram", de Truman Capote, edição da Civilização Brasileira, 1977.
É uma coletânea de vários assuntos abordados pelo escritor e jornalista americano. O ponto mais alto do livro é uma entrevista que Capote fez com Marlon Brando em 1956, no Japão, onde o ator filmava "Sayonara". Não é uma entrevista no padrão comum, em pingue-pongue, com o entrevistador perguntando e o entrevistado respondendo. Sendo acima de tudo um escritor,Capote descreve o ambiente onde a entrevista é realizada (o quarto de um hotel), faz observações sobre as empregadas que servem Marlon e, mesmo quando a conversa é estabelecida, fala do comportamento do ator com elas e até de detalhes sobre este, como um início de calvície e a presença incômoda de alguns quilos a mais no seu peso. É uma matéria longa, de quase 40 páginas, intitulada "O Duque em seus domínios", em que Capote consegue desnudar um tanto da personalidade de Brando, socorrendo-se do entrevistado e de pessoas que com este conviveram, relembrando revelações delas. Uma dessas revelações diz respeito à conduta do ator nas filmagens de "Sayonara", quando Capote afirma que ele está "sempre disposto a cooperar com os seus companheiros de trabalho, mas, de um modo geral, socialmente alheio, preferindo, nos intervalos de filmagem, ficar sozinho lendo livros de filosofia, ou rabiscando num caderno escolar".
O desnudamento do ator aparece, entre outras vezes, quando ele fala do sofrimento das pessoas sensíveis, como ele, e da importância do amor. "Uma pessoa sensível (diz) recebe cinquenta impressões onde alguém mais pode receber sete. É vulnerável demais, facilmente brutalizada e ferida. Quanto mais sensível, mais será violentada, criará escaras". E sobre o amor: "Que outra razão pode existir para viver, se não o amor? Este tem sido o meu maior problema. A minha incapacidade de amar alguém".
Uma surpreendente revelação que Capote faz de Marlon é o seu trato com as crianças, aludindo ao seu amor pelos pequeninos, mostrando-se à vontade na companhia deles, fazendo brincadeiras com eles, "parecendo um coetâneo emocional, um conspirador". Ao ler esse testemunho do escritor, pude, então, compreender a indignação do ator contra Chaplin, quando presenciou este passar uma severa descompostura num filho pequeno, durante um intervalo nas filmagens de "A Condessa de Hong Kong".
E os atores preferidos de Brando? Ao ser indagado, Brando fica um instante calado, como se pensasse, ou não quisesse responder. Capote insiste, citando alguns atores: Lawrence Olivier, John Gielgud, Gerard Philippe, Jean-Louis Barrault e mais uns dois de que não me lembro. Brando diz que Philippe é um bom ator (ele morreria três anos depois, aos 38 anos), assim como Barrault, e, ao mencionar o segundo, faz referência ao filme "Les Enfants du Paradise" ("O Boulevard do Crime", Marcel Carné/1945) como aquele que mais o impressionou, talvez o maior filme já feito, na sua opinião. E acrescenta que a única vez em que se apaixonou por uma atriz na tela foi ao ver Arletty, principal atriz desse obra-prima do cinema. Mas os seus preferidos são Spencer Tracy, Paul Muni ("Scarface", Hawks/1932) e Cary Grant. Eis o que ele diz: (Spencer Tracy) "É o tipo do ator que eu gosto de ver trabalhar. A maneira como ele se contém, se recolhe - depois salta para marcar o seu ponto e se recolhe outra vez. Tracy, Muni, Cary Grant. Eles sabem o que fazer. Pode-se aprender alguma coisa com eles".
Se não tivesse muitos outros atrativos, só por esse encontro entre Brando e Capote "Os Cães Ladram", cujo título é inspirado no conhecido provérbio árabe "Os cães ladram, mas a caravana passa, já seria um livro de valer a pena ser lido.

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