quarta-feira, outubro 25, 2006

CINE CANINDÉ

Ficava na praça da Basílica (o nome legítimo da praça não lembro, mas era por essa denominação que ela era conhecida). Do lado esquerdo, a duas casas da esquina, onde ficava o bar do Seu Zuil, administrado pelo irmão Nenen. Cine Canindé. Ali começou o meu amor pelo cinema, vendo seriados, bangue-bangues, Jim das Selvas (com o ex-Tarzan Johnny Weissmuller) e outros gêneros de filmes. E me deparei, nas sessões de quarta (ou quinta), sábado e domingo com alguns espectadores curiosos. Uns chatos, como aquele que via o filme lendo as legendas, nem sempre usando a pronúncia certa das palavras, como quando dizia dolares. Ou a senhora, que morava vizinho e por isso entrava no cinema com o soar do gongo, conduzindo uma cadeira. Alguns que sempre ocupavam a mesma cadeira. E vez por outra um menino tinha visto o filme em Fortaleza, e ao revê-lo no nosso cinemazinho (talvez como uma forma de gabolice por ter conhecido um cinema da capital) , antecipava o que ia acontecer numa cena.
Nos créditos da maioria dos filmes aparecia o nome de João Branco como o responsável pelas legendas. Esse nome era uma garantia para os meninos da boa qualidade do filme... Ah, a ingenuidade, a inocência infantis que os adultos perdem e, por vezes, lhes fazem tanta falta!
A figura mais curiosa, no entanto, do Cine Canindé era o seu proprietário. César Campos. O homem mais rico da cidade. Além do cinema, possuía a melhor loja de Canindé, um posto de gasolina, um bar-restaurante, fazenda, imóveis. Antes de começar a sessão, ficava na escada que dava acesso à sala de projeção. Sozinho, olhando para frente, talvez pensando em negócios. Numa hora invariável da manhã vinha caminhando da loja até sua casa, que ficava depois da nossa, para almoçar. Caminhava pelo meio da rua, sem cumprimentar ninguém. Talvez um ou outro connhecido, com um leve balançar de cabeça. As pessoas o tinham por orgulhoso, mas hoje creio que não o era. Esquisitão, sim. Ou tímido.
Nos primeiros tempos de casado, o laconismo do marido causou em Dona Julinha um sério incômodo. Ela chegou a confidenciar o fato a um irmão e sócio de César na loja, pedindo-lhe ajuda. ( Chico Campos era um antípoda de César. Comunicativo, espirituoso e de uma cortante ironia para com os desafetos.) Chico atendeu ao pedido da cunhada e parece que, depois da conversa que tiveram, o comportamento de César com a esposa melhorou. Mas, apesar do seu jeitão, César tinha alguns amigos, entre os quais o meu pai (depois ocorreu um estremecimento nas relações entre os dois, acho que por questão de negócios). Pois o papai, na época em que eles se davam, sempre falava bem do César. Até revelava uma faceta insuspeitada do seu temperamento: o senso de humor. Ele tinha um amigo, que nascera aqui em Natal, mas chegara a Canindé vindo de outra cidade do Ceará, com o qual ia toda tarde tomar cerveja no bar do Maciel. Sempre a uma determinada hora, como ocorria quando vinha para casa almoçar.
Enquanto morei em Canindé, nunca recebi um cumprimento dele. Tudo bem, era uma criança e se César não cumprimentava a maioria dos habitantes adultos, não iria fazê-lo com uma criança, ainda que eu fosse filho de um dos seus poucos amigos. Mas o Chico, por exemplo, me cumprimentava e muitos outros homens também. Uma noite, já estudando em Fortaleza, entrei numa farmácia e qual não foi o meu espanto ao encontrar ali o César. Usava um terno (branco, se não me engano), talvez tivesse vindo de um cinema, ou indo. Estava recostado a um balcão, esperando que alguém da família adquirisse um medicamento; provavelmente Dona Julinha, mas não tenho certeza. Ao me ver, balançou a cabeça e esboçou um sorriso.

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