
Reprodução da capa da primeira edição de Vidas Secas,
retirada do sítio www.graciliano.com.br/artevisu04m.html
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Em 1938 vinha à luz Vidas Secas. Era o quarto e acabou por se tornar o último romance escrito por Graciliano Ramos. Vidas Secas se distingue dos outros romances do mestre alagoano em mais de um aspecto. Em primeiro lugar, a narrativa é feita na terceira pessoa e não mais na primeira pessoa, como ocorre com Caetés, São Bernardo e Angústia. Não parece apenas um detalhe sem importância, uma opção de gosto pessoal. No seu ensaio "Valores e Misérias das Vidas Secas", inserido na 30a. edição do livro (Livraria Martins Editora/1972), o crítico Álvaro Lins se faz esta pergunta: "Não será isto um sinal de que antes {o romancista} deixava os personagens entregues à própria sorte, enquanto agora se identifica com os desgraçados nordestinos de Vidas Secas"? Identificação essa que, na visão do crítico, torna Vidas Secas o mais humano e comovente dos livros de Graciliano, "o que contém maior sentimento da terra nordestina, daquela parte que é aspera, dura e cruel, sem deixar de ser amada pelos que a ela estão ligados teluricamente". E a atitude tomada por Graciliano em relação a Fabiano, Sinha Vitória e os dois filhos pequenos é acrescida de um elemento, se não solitário, pelo menos, incomum, na literatura, ou seja, a humanização da cachorrinha Baleia, que é tratada como um membro daquela miserável família. Além de dedicar um capítulo inteiro à morte dela (um dos melhores da obra), em algumas ocasiões Graciliano a faz agir como se da espécie humana fosse.
Muito usado nos livros anteriores, principalmente São Bernardo e Caetés, o diálogo inexiste em Vidas Secas. O que há são interjeições, palavras e frases isoladas, mesmo quando um personagem não está sozinho. E assim mesmo elas não ocorrem com muita freqüência.
Mas certamente o que mais diferencia Vidas Secas dos livros precedentes é a forma da sua construção. Os capítulos possuem uma autonomia, que faz com que cada um deles possa ser lido como um conto, conforme observou Álvaro Lins no citado ensaio. E aí surge a questão se se trata rigorosamente de um romance. No ensaio "Ficção e Confissão", que integra a 18a. edição de São Bernardo (mesma editora, 1972), Antonio Candido afirma que Vidas Secas "pertence a um gênero intermediário entre romance e livro de contos". E revela que alguns dos capítulos (que ele chega a chamar de episódios e de quadros) eram originariamente contos e como tal tinham sido publicados em revistas. Já o nosso maior cronista, Rubem Braga, define Vidas Secas de uma maneira que me parece a mais apropriada, ao chamá-lo de "romance desmontável".
Essa construção que pode ser um dos defeitos que tanto Álvaro Lins, quanto Antonio Candido, apontam no livro, é um defeito apenas na forma, no sentido de que alguns capítulos passam a impressão de ser "histórias incompletas" (Antonio Candido) e não no conteúdo. É que existe uma interligação entre os capítulos (ou contos, ou ainda quadros), em que é acompanhada a vivência daqueles desvalidos da sorte (no mínimo, há a presença de ao menos Fabiano, como em 3 ou 4), o que acaba por dar uma unidade ao livro. Com sua maestria, Graciliano soube armá-los de maneira a conferir-lhes uma harmonia (observe-se, por exemplo, que Vidas Secas começa e termina com a fuga dos personagens provocada pela seca).
Quanto ao estilo, Lins, se elege Angústia o melhor Graciliano, considera que, nesse aspecto, Vidas Secas supera os demais. "Em nenhum outro dos seus livros encontramos tanta beleza e tanta harmonia na construção verbal", diz ele, para acrescentar a descoberta de um elemento estranho na linguagem do autor: "E somente aqui este autor, de espírito tão pouco poético, consegue atingir às vezes um estado de poesia".
Vinte e cinco anos depois de lançado, Vidas Secas chegou ao cinema. Pelas mãos de Nelson Pereira dos Santos, que soube traduzir em imagens o espírito e a essência do livro. Se Vidas Secas não for o melhor livro de Graciliano (mas existem os que acham que sim), é o melhor filme de Nelson. E forma com Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha, realizado na mesma época, os dois maiores filmes do Cinema Novo.
Sobreira,
ResponderExcluirÉ sempre uma satisfação, ver algum comentário sobre Graciliano Ramos, para mim o maior escritor brasileiro. Agora,que V.S completa 70 anos,estou fazendo circular na comunidade livro errante( http://www.orkut.com.br/Main#CommMsgs.aspx?cmm=28956097&tid=2582513976957363423) todos os livros do autor; quem não conhecia encantou-se e quem já tinha lido está tendo a mesma satisfação. Graciliano sempre merece aplauso.
Parabenizo você pela ótima análise em seu blog.
Abraço.